Segunda, 28 de julho de 2014
Levantamento de fabricantes e revendedoras indica aumento de mais de 100% na venda de produtos para estocar água.
A reportagem é de David Shalom e publicada por iG, 25-07-2014.
Desde pequena, Alda Novack aprendeu com o pai, no interior do Paraná, a importância de se economizar água. Há mais de 50 anos, o que utiliza para lavar roupas no tanque é mais tarde reaproveitado para limpar quintal e banheiro; a manutenção das plantas do jardim particular é feita com as sobras da lavagem de frutas e verduras. Entretanto, o temor de ficar totalmente sem o recurso devido à crise de abastecimento dos reservatórios Cantareira e Alto Tietê nos últimos meses a levou a buscar novas alternativas para o dia a dia.
Moradora de uma região que há meses convive com um racionamento não-anunciado todas as noites - o Jardim Damasceno, na zona norte da capital paulista -, a aposentada de 67 anos investiu há exatamente duas semanas cerca de R$ 110 na compra de dois grandes tambores com capacidade de 225 litros cada. Os reservatórios se juntam a outros já mantidos por dona Alda na residência onde vive com dois filhos, uma neta e uma nora, como baldes velhos e duas caixas d´água com capacidade total de armazenamento de mais de 800 litros.
"Comprei os tambores por sentir um medo verdadeiro de que as represas venham a secar. Fico desesperada vendo as notícias diariamente sobre a atual situação da água em São Paulo", diz Alda, por enquanto com apenas um dos recipientes cheio, já que aguarda, esperançosa, pelas chuvas previstas para esta sexta-feira (25) para abastecer o outro. "Os tambores só serão usados em caso de necessidade extrema mesmo. Aquele que enchi está tampadinho. Espero não precisar usá-lo, mas, do jeito que as coisas andam, ele pode ajudar a família a passar tranquila por alguns dias difíceis."
Dona Alda não é nem de longe um caso isolado. Em toda a Grande São Paulo tem havido sensível aumento na procura de produtos que ajudem a população a amainar os problemas causados por um possível desabastecimento na região - e, claro, para lidar com os próprios racionamentos, oficialmente rechaçados pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) mas já em voga em diversos bairros da cidade e municípios de seu entorno.
Uma das maiores redes de lojas de materiais para construção da região sudeste do País, a Telhanorte registrou, apenas no primeiro trimestre de 2014, um aumento de 150% nas vendas de caixas d´água de maior litragem - entre 1.500 e 2.500 litros - no Estado. A tendência é corroborada por dados Tigre e da Fortlev, principal fabricante do recipiente no País, que desde fevereiro precisou passar a usar as fábricas de Santa Catarina, Bahia e Espiríto Santo para suprir o recrudescimento da demanda na população paulista.
"Muitas pessoas aproveitaram o atual momento de crise hídrica para realizar a troca da caixa d’água em sua residência, optando por modelos maiores ou até mesmo adquirindo um reservatório a mais para se precaver de possíveis racionamentos ou faltas de água", explica o diretor de marketing e compras da Telhanorte, Juliano Ohta. "É um cliente que faz parte de uma crescente demanda de consumidores conscientes, que buscam alternativas ecoeficientes para promover a economia de água, sobretudo na capital paulista."
O aumento do uso dessas alternativas acompanha a tendência diária de queda dos volumes dos principais reservatórios que abastecem a população. Principal sistema de captação e tratamento de água do Estado - além de o maior da América Latina -, o Cantareira registrava, nesta sexta-feira (25), apenas 16,4% de sua capacidade de armazenamento, responsáveis por abastecer cerca de 6,5 milhões de pessoas (até o início do ano eram 8,8 milhões, parte deles transferidos para outros sistemas devido à crise).
E isso somente graças ao volume morto, reserva técnica localizada sob as comportas de captação dos reservatórios cujo conteúdo, bombeado desde maio, compõe hoje todo o conteúdo do Cantareira. Segundo especialistas consultados pelo iG, se a estiagem prosseguir e o governo do Estado não propuser alternativas para racionar o recurso, o Cantareira pode secar ainda em meados de outubro - mesmo caso do Alto Tietê, atualmente com 21,8% de volume disponível para as 4,5 milhões de pessoas abastecidas por ele, mas que, no entanto, não possuí volume morto significativo para uma emergência.
Outras alternativas buscadas por consumidores para evitar a escassez foram a busca por cisternas e calhas para a captação de água da chuva, produtos que também viram um grande crescimento em suas vendas do início do ano para cá. Entretanto, assim como ocorre nos reservatórios da Sabesp, a estiagem atual acaba também por afetar a eficiência dessas opções. É o caso para o comerciante Nelson Kocman, 58 anos, que possuí uma residência e uma loja no mesmo imóvel localizado na região central de Caieiras, abastecida pelo Cantareira.
"Há pelo menos dez anos, desde que vivo aqui, sempre captei água da chuva da calha do telhado, afinal ela vem de graça, do céu. Também comprei tambores para armazenar um volume maior. Mas ultimamente está difícil, porque simplesmente não chove", lamenta ele. "Todas as noites falta água aqui. Por isso, durante o dia já abasteço minhas caixas d´água, duas de 500 litros e uma de 250 litros, e garanto o uso para mim e para a minha mulher. Só terei problemas mesmo se a Sabesp parar de distribuir por uns três dias. Aí fico na seca também."
Apesar do temor de muitos, uma boa parcela da população parece ainda não ter tomado consciência da gravidade da situação hídrica na capital paulista e em seu entorno. Ao menos é o que observa dona Alda ao atravessar o portão de sua casa e ver o comportamento de vizinhos e amigos. "Você olha aqui no fim de semana e tem gente lavando carro, moto e até a calçada com mangueira, como se nada estivesse acontecendo. É uma enorme falta de consciência", avalia ela. "Meu filho fala que eu economizo água demais. Mas estou acostumada a isso. E, sinceramente, espero que outros sigam esse exemplo também."
fonte: Unisinos
A reportagem é de David Shalom e publicada por iG, 25-07-2014.
Desde pequena, Alda Novack aprendeu com o pai, no interior do Paraná, a importância de se economizar água. Há mais de 50 anos, o que utiliza para lavar roupas no tanque é mais tarde reaproveitado para limpar quintal e banheiro; a manutenção das plantas do jardim particular é feita com as sobras da lavagem de frutas e verduras. Entretanto, o temor de ficar totalmente sem o recurso devido à crise de abastecimento dos reservatórios Cantareira e Alto Tietê nos últimos meses a levou a buscar novas alternativas para o dia a dia.
Moradora de uma região que há meses convive com um racionamento não-anunciado todas as noites - o Jardim Damasceno, na zona norte da capital paulista -, a aposentada de 67 anos investiu há exatamente duas semanas cerca de R$ 110 na compra de dois grandes tambores com capacidade de 225 litros cada. Os reservatórios se juntam a outros já mantidos por dona Alda na residência onde vive com dois filhos, uma neta e uma nora, como baldes velhos e duas caixas d´água com capacidade total de armazenamento de mais de 800 litros.
"Comprei os tambores por sentir um medo verdadeiro de que as represas venham a secar. Fico desesperada vendo as notícias diariamente sobre a atual situação da água em São Paulo", diz Alda, por enquanto com apenas um dos recipientes cheio, já que aguarda, esperançosa, pelas chuvas previstas para esta sexta-feira (25) para abastecer o outro. "Os tambores só serão usados em caso de necessidade extrema mesmo. Aquele que enchi está tampadinho. Espero não precisar usá-lo, mas, do jeito que as coisas andam, ele pode ajudar a família a passar tranquila por alguns dias difíceis."
Dona Alda não é nem de longe um caso isolado. Em toda a Grande São Paulo tem havido sensível aumento na procura de produtos que ajudem a população a amainar os problemas causados por um possível desabastecimento na região - e, claro, para lidar com os próprios racionamentos, oficialmente rechaçados pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) mas já em voga em diversos bairros da cidade e municípios de seu entorno.
Uma das maiores redes de lojas de materiais para construção da região sudeste do País, a Telhanorte registrou, apenas no primeiro trimestre de 2014, um aumento de 150% nas vendas de caixas d´água de maior litragem - entre 1.500 e 2.500 litros - no Estado. A tendência é corroborada por dados Tigre e da Fortlev, principal fabricante do recipiente no País, que desde fevereiro precisou passar a usar as fábricas de Santa Catarina, Bahia e Espiríto Santo para suprir o recrudescimento da demanda na população paulista.
"Muitas pessoas aproveitaram o atual momento de crise hídrica para realizar a troca da caixa d’água em sua residência, optando por modelos maiores ou até mesmo adquirindo um reservatório a mais para se precaver de possíveis racionamentos ou faltas de água", explica o diretor de marketing e compras da Telhanorte, Juliano Ohta. "É um cliente que faz parte de uma crescente demanda de consumidores conscientes, que buscam alternativas ecoeficientes para promover a economia de água, sobretudo na capital paulista."
O aumento do uso dessas alternativas acompanha a tendência diária de queda dos volumes dos principais reservatórios que abastecem a população. Principal sistema de captação e tratamento de água do Estado - além de o maior da América Latina -, o Cantareira registrava, nesta sexta-feira (25), apenas 16,4% de sua capacidade de armazenamento, responsáveis por abastecer cerca de 6,5 milhões de pessoas (até o início do ano eram 8,8 milhões, parte deles transferidos para outros sistemas devido à crise).
E isso somente graças ao volume morto, reserva técnica localizada sob as comportas de captação dos reservatórios cujo conteúdo, bombeado desde maio, compõe hoje todo o conteúdo do Cantareira. Segundo especialistas consultados pelo iG, se a estiagem prosseguir e o governo do Estado não propuser alternativas para racionar o recurso, o Cantareira pode secar ainda em meados de outubro - mesmo caso do Alto Tietê, atualmente com 21,8% de volume disponível para as 4,5 milhões de pessoas abastecidas por ele, mas que, no entanto, não possuí volume morto significativo para uma emergência.
Outras alternativas buscadas por consumidores para evitar a escassez foram a busca por cisternas e calhas para a captação de água da chuva, produtos que também viram um grande crescimento em suas vendas do início do ano para cá. Entretanto, assim como ocorre nos reservatórios da Sabesp, a estiagem atual acaba também por afetar a eficiência dessas opções. É o caso para o comerciante Nelson Kocman, 58 anos, que possuí uma residência e uma loja no mesmo imóvel localizado na região central de Caieiras, abastecida pelo Cantareira.
"Há pelo menos dez anos, desde que vivo aqui, sempre captei água da chuva da calha do telhado, afinal ela vem de graça, do céu. Também comprei tambores para armazenar um volume maior. Mas ultimamente está difícil, porque simplesmente não chove", lamenta ele. "Todas as noites falta água aqui. Por isso, durante o dia já abasteço minhas caixas d´água, duas de 500 litros e uma de 250 litros, e garanto o uso para mim e para a minha mulher. Só terei problemas mesmo se a Sabesp parar de distribuir por uns três dias. Aí fico na seca também."
Apesar do temor de muitos, uma boa parcela da população parece ainda não ter tomado consciência da gravidade da situação hídrica na capital paulista e em seu entorno. Ao menos é o que observa dona Alda ao atravessar o portão de sua casa e ver o comportamento de vizinhos e amigos. "Você olha aqui no fim de semana e tem gente lavando carro, moto e até a calçada com mangueira, como se nada estivesse acontecendo. É uma enorme falta de consciência", avalia ela. "Meu filho fala que eu economizo água demais. Mas estou acostumada a isso. E, sinceramente, espero que outros sigam esse exemplo também."
fonte: Unisinos