22/11/13 | ARTIGO
Se é um animal sem autonomia, sem razão, a sociedade deve ser a defensora dos seus interesses enquanto ser que sente, sofre, e tem total direito à vida
José Cabral da Silva Dias
Em outubro, assistimos a invasão do Instituto Royal, em São Roque, por mais de 100 ativistas que levaram dali 178 cães da raça Beagle e sete coelhos usados em testes de produtos farmacêuticos. Os ativistas alegavam que os animais sofriam maus-tratos no laboratório. Não faltaram posicionamentos favoráveis e contrários à invasão, e os debates alcançaram a sociedade como um todo.
Se é ponto pacífico que animais sentem dor, as pesquisas científicas são submetidas a comitês de ética, além de seguirem normas do Concea (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal), que protegem o bem estar desses animais.
Testes em animais ainda são fundamentais em diversos casos, já que a experimentação de produtos farmacêuticos diretamente em humanos pode ser até letal. Segundo a Sociedade Brasileira de Biotecnologia, todos os medicamentos registrados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), computam o uso de animais em seu desenvolvimento.
A Declaração Universal dos Direitos dos Animais diz em seu artigo 8º que: (a) a experimentação animal, que implica em sofrimento físico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra; (b) técnicas substitutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas.
No artigo 6º dos "Princípios Éticos na Experimentação Animal" ( do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal), orienta-se que devemos considerar "a possibilidade de desenvolvimento de métodos alternativos, como modelos matemáticos, simulações computadorizadas, sistemas biológicos "in vitro", utilizando-se o menor número possível de espécimes animais, se caracterizada como única alternativa plausível".
Já o artigo 7º dos "Princípios", orienta que os animais devem ser utilizados "através de métodos que previnam desconforto, angústia e dor, considerando que determinariam os mesmos quadros em seres humanos, salvo se demonstrados, cientificamente, resultados contrários".
A Lei nº 9.605, de 1998, conhecida como "Lei dos Crimes Ambientais", prevê detenção, de três meses a um ano, e multa, àquele que praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais, "ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos". A Constituição Federal, em seu inciso VII do Artigo 225, veda práticas que submetam animais à crueldade.
As orientações internacionais impõem a aplicação de meios alternativos à utilização de animais em laboratório, permitindo-os somente nos casos em que são absolutamente fundamentais. Mesmo assim, a prática de atos cruéis é devidamente punida nos termos da lei brasileira.
Mas em 2008, foi sancionada a Lei 11.794, conhecida como "Lei Arouca". Ela já nasceu defasada e com linguagem inadequada, tratando os animais como "coisas", como "materiais para uso", em um claro retrocesso ético para o país.
Em nenhum trecho da lei, há a menção explícita à utilização do princípio dos "3 Rs" internacionalmente estabelecidos desde 1959 como marco para a reflexão ética sobre a utilização de animais em pesquisa: replacement (substituição), reducement (redução) e refinement (refinamento).
Os "3Rs" prevêm a utilização de técnicas refinadas para diminuir a dor das cobaias, redução do número de animais para a pesquisa e substituição deles por métodos alternativos. Há a citação, na lei Arouca, que o número de animais empregados na pesquisa seja o mínimo necessário. Com boa vontade, vemos ali "1 R". Os outros dois não aparecem.
Urge melhorar a legislação, estabelecendo novos critérios para a pesquisa médica. Em uma República, onde o poder emana do povo e para o povo, o povo deve estar na base das discussões. A Lei deve promover uma integral transparência para a utilização de animais em testes, cabendo a todas as instâncias da sociedade, em especial ao próprio povo, fiscalizar e coibir abusos e maus-tratos.
Os ativistas podem se posicionar contra as empresas que utilizam animais para pesquisas de cosméticos, deixando de utilizar seus produtos. Já a área da medicina é mais complexa. Não se pode simplesmente parar de tomar um remédio ou barrar as pesquisas. O teste de fármacos para pressão arterial, por exemplo, demanda a utilização de animais, de organismos vivos inteiros, para medir a toxicidade da droga para outros órgãos. Mas devemos cobrar, sempre que possível, a utilização de métodos alternativos, como prevêem os códigos internacionais.
O sujeito da pesquisa deve ser respeitado sempre em sua integridade. Se é um animal sem autonomia, sem razão, a sociedade deve ser a defensora dos seus interesses enquanto ser que sente, sofre, e tem total direito à vida.
Em outubro, assistimos a invasão do Instituto Royal, em São Roque, por mais de 100 ativistas que levaram dali 178 cães da raça Beagle e sete coelhos usados em testes de produtos farmacêuticos. Os ativistas alegavam que os animais sofriam maus-tratos no laboratório. Não faltaram posicionamentos favoráveis e contrários à invasão, e os debates alcançaram a sociedade como um todo.
Se é ponto pacífico que animais sentem dor, as pesquisas científicas são submetidas a comitês de ética, além de seguirem normas do Concea (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal), que protegem o bem estar desses animais.
Testes em animais ainda são fundamentais em diversos casos, já que a experimentação de produtos farmacêuticos diretamente em humanos pode ser até letal. Segundo a Sociedade Brasileira de Biotecnologia, todos os medicamentos registrados na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), computam o uso de animais em seu desenvolvimento.
A Declaração Universal dos Direitos dos Animais diz em seu artigo 8º que: (a) a experimentação animal, que implica em sofrimento físico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra; (b) técnicas substitutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas.
No artigo 6º dos "Princípios Éticos na Experimentação Animal" ( do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal), orienta-se que devemos considerar "a possibilidade de desenvolvimento de métodos alternativos, como modelos matemáticos, simulações computadorizadas, sistemas biológicos "in vitro", utilizando-se o menor número possível de espécimes animais, se caracterizada como única alternativa plausível".
Já o artigo 7º dos "Princípios", orienta que os animais devem ser utilizados "através de métodos que previnam desconforto, angústia e dor, considerando que determinariam os mesmos quadros em seres humanos, salvo se demonstrados, cientificamente, resultados contrários".
A Lei nº 9.605, de 1998, conhecida como "Lei dos Crimes Ambientais", prevê detenção, de três meses a um ano, e multa, àquele que praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais, "ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos". A Constituição Federal, em seu inciso VII do Artigo 225, veda práticas que submetam animais à crueldade.
As orientações internacionais impõem a aplicação de meios alternativos à utilização de animais em laboratório, permitindo-os somente nos casos em que são absolutamente fundamentais. Mesmo assim, a prática de atos cruéis é devidamente punida nos termos da lei brasileira.
Mas em 2008, foi sancionada a Lei 11.794, conhecida como "Lei Arouca". Ela já nasceu defasada e com linguagem inadequada, tratando os animais como "coisas", como "materiais para uso", em um claro retrocesso ético para o país.
Em nenhum trecho da lei, há a menção explícita à utilização do princípio dos "3 Rs" internacionalmente estabelecidos desde 1959 como marco para a reflexão ética sobre a utilização de animais em pesquisa: replacement (substituição), reducement (redução) e refinement (refinamento).
Os "3Rs" prevêm a utilização de técnicas refinadas para diminuir a dor das cobaias, redução do número de animais para a pesquisa e substituição deles por métodos alternativos. Há a citação, na lei Arouca, que o número de animais empregados na pesquisa seja o mínimo necessário. Com boa vontade, vemos ali "1 R". Os outros dois não aparecem.
Urge melhorar a legislação, estabelecendo novos critérios para a pesquisa médica. Em uma República, onde o poder emana do povo e para o povo, o povo deve estar na base das discussões. A Lei deve promover uma integral transparência para a utilização de animais em testes, cabendo a todas as instâncias da sociedade, em especial ao próprio povo, fiscalizar e coibir abusos e maus-tratos.
Os ativistas podem se posicionar contra as empresas que utilizam animais para pesquisas de cosméticos, deixando de utilizar seus produtos. Já a área da medicina é mais complexa. Não se pode simplesmente parar de tomar um remédio ou barrar as pesquisas. O teste de fármacos para pressão arterial, por exemplo, demanda a utilização de animais, de organismos vivos inteiros, para medir a toxicidade da droga para outros órgãos. Mas devemos cobrar, sempre que possível, a utilização de métodos alternativos, como prevêem os códigos internacionais.
O sujeito da pesquisa deve ser respeitado sempre em sua integridade. Se é um animal sem autonomia, sem razão, a sociedade deve ser a defensora dos seus interesses enquanto ser que sente, sofre, e tem total direito à vida.
José Cabral da Silva Dias é advogado, professor de Direito Constitucional e Diretor de Faculdade(secretaria@oabsorocaba.org.br)