Em Itaipu, o enchimento do reservatório nos anos 1980 afetou biodiversidade de locais distantes dali, como a bacia do Tietê
28 de novembro de 2012 | 2h 11
Bruno Deiro - O Estado de S.Paulo
Em duas semanas de outubro de 1982, Itaipu iniciou uma transformação que perdura há três décadas na fauna aquática da região. O enchimento do reservatório, que deslocou a barreira natural de Sete Quedas, em Guaíra, mudou a proporção de peixes migradores no lago da usina e, a longo prazo, teve impacto na biodiversidade de locais distantes como a Bacia do Tietê, a 400 quilômetros dali.
Com a inundação, 23 tipos de peixes subiram a antiga catarata, enquanto 3 desceram. Estudos recentes da Universidade Estadual de Maringá (UEM) mostraram que o número atual de espécies na região de Itaipu é de 189, ante 113 em levantamentos anteriores à construção da usina. "Não é que hoje existam tantas mais, mas temos um conhecimento melhor", diz o veterinário Domingo Rodriguez Fernandez, da área de ecossistemas aquáticos da usina.
As águas paradas do reservatório afugentaram grandes espécies migradoras, como o jaú, o dourado e o piapara. Peixes menores como a corvina e o mapará, que se alimentam de micro-organismos, se tornaram abundantes. Mas, segundo dados da usina, após a formação do reservatório a produção aumentou 250% entre os 850 pescadores que atuam no lago.
Pioneiro no estudo de ictiofauna de Itaipu, o biólogo Angelo Antonio Agostinho, da UEM, diz que um dos casos de peixes beneficiados pelo deslocamento da barragem foi uma espécie de piranha que quase extinguiu a variação nativa do Alto Paraná - forma hoje 95% da população local de piranhas.
"As duas espécies são muito parecidas e têm dietas semelhantes, mas a que vivia na parte baixa é menor, mais competitiva e tem tendência a formar cardumes. Pelo que analisamos, ela já chegou a locais distantes como a usina de Ilha Solteira (SP), passando pelas eclusas", diz Agostinho, cujos estudos na usina deram origem ao Núcleo de Pesquisas em Limnologia, Ictiologia e Aquicultura (Nupelia) da UEM.
Arraia. Outro animal que se proliferou rio acima após a construção de Itaipu é a arraia. Um estudo da Universidade Estadual Paulista (Unesp) documentou a invasão de três espécies no Alto Paraná, onde não têm predadores naturais.
"Silenciosamente, as arraias foram subindo o rio desde 1993 e avançaram pelas eclusas de usinas como Jupiá, chegando à entrada da Bacia do Tietê ", diz Domingos Garrone Neto, um dos autores da pesquisa. "Como têm grande capacidade de camuflagem, esses animais com alguma frequência são pisados por pescadores e reagem, causando ferimentos", diz. O biólogo acredita que, caso a colonização siga neste ritmo, as arraias podem chegar até a região de Barra Bonita, a 300 quilômetros de São Paulo.
Para permitir a subida dos peixes para a reprodução (piracema), Itaipu construiu em 2002 um canal de 10,3 quilômetros que liga a parte anterior da usina ao lago. O desafio está em evitar que esta migração interfira de forma negativa na biodiversidade da bacia. "Mesmo com Itaipu, calculamos que até 20 espécies não subiram o rio, o que é bom para evitar invasores. Mas o canal tem permitido isso e temos nos manifestado para que ele não seja totalmente permeável", diz Angelo Agostinho. "Abaixo da usina tem espécies como a piranha preta, que come outros peixes e torna difícil a vida do pescador."
Em 2011, estudos em Itaipu comprovaram que quase 170 das 190 espécies da região já haviam passado pelo canal. "O canal favorece o intercâmbio genético, mas não é possível o controle total das espécies que sobem", diz Fernandez. "Podemos ampliar a passagem de espécies reduzindo a velocidade das águas e aumentando o grau de dificuldade. Mas a ideia, por enquanto, é manter a eficiência atual."
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