Existe uma lenda que diz que no Dia de Finados o tempo fica nublado e chove. Talvez seja a forma de a natureza expressar o seu sentimento de tristeza e derramar “lágrimas” saudosas por aqueles que já partiram. Por ironia do destino, hoje é também o dia de lembrarmos o sofrimento de um cão que fez com que muitos refletissem sobre como os animais são tratados no Brasil. Dia 2 de novembro, o caso Lobo, o cachorro da raça rottweiler que foi arrastado em Piracicaba pelo próprio dono e morreu, completou um ano.
Imagem do Lobo, que se recuperava depois
de ter sido arrastado - Crédito: Divulgação
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Na oficina onde o cão vivia, uma Bíblia sobre a mesa de trabalho e as imagens de vários santos na parede levam a crer que ali há uma demonstração de fé e a pregação de valores como o amor à vida, bondade e esperança. O que contradiz com a atitude do homem acusado de arrastar o seu animal e condená-lo à morte, ao deixá-lo ferido à mercê da sorte. Um cachorro de oito anos, manso e tranquilo, como o próprio dono afirmou à reportagem.
Em conversa exclusiva com o blog Conversa de Bicho, Claudio Cesar Messias, proprietário do animal, disse que “tinha o hábito de passear” com o cachorro. Ele o amarrava dentro da picape e saía pelas ruas da cidade.
Messias afirmou que não viu que o cão havia caído da caçamba, que a sua atitude não teria sido intencional e que sempre gostou de animais. Ele fez questão de mostrar a gaiola de um dos pássaros que tem na oficina, um canário – que cantava sem parar –, limpa e com alimento. “Dá uma olhada. Veja como está bem cuidada.”
Para o dono, o que teria motivado ele ter saído do local sem prestar socorro ao animal foi a ameaça de linchamento. “Uma das testemunhas disse que pegou um pedaço de caibro e pedra para me atacar, por isso que evadir do local (sic.). Como vou ficar lá? Eu não vi esse cachorro. Um motoqueiro bateu no vidro e disse que eu estava arrastando um cachorro, mas eu disse que tinha um cachorro deitado na caçamba. Como começaram a me ameaçar, deixei ele na calçada (sic.).”
Para Messias, a vida depois da morte do cão Lobo mudou. “Sofri muitas ameaças. Meus filhos também. Se eu quisesse matar o cachorro não iria fazer isso arrastando. Eu não mato uma barata. Tenho 50 anos e nunca entrei numa delegacia. Nunca usei droga ou fumei na minha vida. Depois que aconteceu isso, eu sou tudo. Chegaram a dizer que eu estava até bêbado. As pessoas julgam você sem te conhecer. No dia do acidente, ninguém para: ‘oh, o que aconteceu?’ Já vão querendo linchar.”
A afirmação de ameaça e de desconhecer que estava arrastando o rottweiler, no entanto, contradiz o testemunho de pessoas que passavam pelo local. Disseram que o cão estava sendo puxado por fora da carroceria da camionete e que o motorista fora avisado sobre o que estava acontecendo. Segundo relatos, o dono não teria dado atenção e continuou a puxá-lo por mais alguns metros. Depois parou, desamarrou-o e ameaçou matá-lo. Felizmente, foi impedido pelas pessoas que estavam ali, mas deixou o animal na rua, num estado crítico.
O cão teria conseguido ajuda, mas, mesmo lutando bravamente pela sobrevivência, perdera uma pata e, dias depois, a vida. Cláudio Messias é acusado de maus-tratos e responde a uma ação penal em Piracicaba que já dura um ano.
Apesar de o caso ainda não ter sido concluído no tribunal, o Ministério Público (MP), por meio do promotor Fábio Salem Carvalho, pede a condenação do acusado com uma pena de sete meses de reclusão e o pagamento de 10 salários mínimos. Em suas considerações finais apontou que, apesar de Claudio não ter atirado o animal de forma intencional para fora do veículo, ele viu que o cão estava sendo arrastado e continuou, conscientemente, a puxá-lo com sua camionete pela rua. Complementa, ainda, dizendo que o réu “demonstrou, por meio do desvio de sua conduta, possuir péssimos valores morais e personalidade voltada para a prática de ilícitos”.
Parte do processo contra Claudio Messias
Na última audiência sobre o caso Lobo, o réu Claudio Cesar Messias preferiu não se manifestar, alegando estar sem o seu advogado. O juiz titular do Juizado Especial Criminal (Jecrim) de Piracicaba, Ettore Geraldo Avolio, intimou o dono a apresentar as alegações finais sobre o caso, para então proceder com o julgamento. Caso não sejam feitas em cinco dias após o recebimento da intimação, um advogado poderá ser designado para fazê-las. No entanto, ainda há um recurso interposto no Colégio Recursal de Piracicaba, pedindo a suspensão do processo. Caso seja atendido, o juiz tem de esperar até a decisão final do Colégio Recursal para concluir se irá condená-lo ou não.
Os representantes da ONG Vira-lata Vira Vida, que acompanharam Lobo na batalha pela sobrevivência desde o início, acreditam na condenação do acusado. Segundo Miriam Miranda, presidente da ONG, isso seria fundamental para que houvesse uma mudança de paradigma. “Poderia ser a grande transformação nessa discussão pela lei de maus-tratos e para conseguirmos alterações no Código Penal. Acredito que está focado no caso Lobo o futuro dos casos de maus-tratos do Brasil inteiro”, explica.
Para Miriam, a ação está sendo sofrida e longa, mas como está prosseguindo de maneira séria e com relevância pelo MP, deve servir de exemplo para que outros protetores não desistam. “A demora não ocorre apenas em casos de processos contra animais, a lentidão é algo comum na Justiça como um todo. Por isso as pessoas tendem a acreditar na impunidade, mas aprendemos com tudo isso que é preciso ter paciência e que a única forma de mudar as coisas é acreditar na justiça e fazer parte dela.”
A condenação pelo juiz do Jecrim também é encarada como uma realidade pelo próprio acusado. Claudio Cesar Messias, que se diz vítima da imprensa e do prejulgamento, afirma que vai recorrer. “Esta sentença está pronta. Por aqui eu já fui condenado.”
Depois do caso Lobo, algumas mudanças significativas aconteceram. A conscientização da população sobre problemas ambientais e crimes contra animais tem mudado. Além de ter aumentado o número de denúncias, foi criado, na Delegacia de Investigações Gerais (DIG), em Piracicaba, um setor especialmente para atuar em casos de maus-tratos contra bichos da cidade. Estuda-se, ainda, a possibilidade de fazer Boletim de Ocorrência pela internet, o que aumentaria ainda mais o número de denúncias.
O sofrimento desse cão virou símbolo da batalha contra os maus-tratos. Agora cabe à Justiça definir o desfecho do caso e a nós, cobrá-la. “A luta do Lobo pela sobrevivência é a mesma que nós temos pela justiça, para que mais animais não passem pelo que ele passou”, completa Miriam Miranda.
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