Giuliana Capello - 12/02/2014
A cidade onde moro tem vivido dias difíceis com essa estiagem. Pequenos produtores rurais têm ido à prefeitura desesperados, em busca de alguma (qualquer) solução para a falta de água. Alguns dizem ter apenas dez dias de água para o gado. E depois? Ninguém sabe. A única empresa que trabalha com caminhão-pipa na cidade interrompeu o serviço por não ter de onde pegar o recurso. Em conversas entre vizinhos, o que mais se ouve é que as nascentes estão secando, o volume dos rios está ficando cada vez mais irrisório e o nível dos poços as propriedades tem reduzido abrupta e assustadoramente.
Há várias explicações para isso, que vão muito além da falta de chuvas nas últimas semanas: elas mostram o efeito rebote da exploração insustentável e inconsequente da natureza. Estou falando de Piracaia, a 100 km de São Paulo, que teve seu território profundamente modificado nas últimas décadas: hoje restam apenas 19,8% da cobertura florestal original, 60% da cidade virou pasto degradado e quase 20% de sua área está ocupada por plantações de eucalipto – que fincaram raízes, inclusive, em áreas de proteção permanente (APPs), cabeceiras de nascentes e outros lugares em que o mínimo bom senso indicaria, mais do que qualquer lei, que seria uma grande irresponsabilidade. Mas o dono das terras, por pura ganância, preferiu desprezar as evidentes consequências que chegariam de forma mais contundente do que suas expectativas de lucros. Em uma palavra: irresponsabilidade.
Gado e eucalipto. Uma dupla que muita gente já reconhece como danosa ao meio ambiente, quando a atividade não é feita com cuidados mínimos e básicos. Mesmo assim, pouquíssimos produtores têm parado para pensar no assunto, e um número menor ainda se mostra disposto a experimentar mudanças. Você já ouviu falar que o eucalipto consome muita água, não? Há estudos que afirmam que um pé da planta usa 40 litros de água por dia. Multiplique esse valor pelos milhares e milhares de exemplares plantados e terá uma noção do potencial de impacto que essa cultura pode provocar. Sobre o gado, basta citar que a criação compacta o solo, gera erosão e implica mais e mais perdas de florestas para dar lugar a pastagens cada vez mais pobres e ineficientes.
É curioso notar que, mesmo com tantos descasos e tanta destruição, Piracaia ainda é uma cidade gostosa para se viver, com paisagens agradáveis, ar puro, terra livre de contaminações. Nosso nível geral de destruição do meio ambiente (estou falando agora de Brasil) é tão grande que, para muita gente acostumada a paisagens impermeabilizadas pelo asfalto e pelas construções, Piracaia parece ser um paraíso na Terra…
Mas a história ainda vai longe. Piracaia integra o famoso Sistema Cantareira, um conjunto de reservatórios que abastece parte significativa da Região Metropolitana de São Paulo, incluindo muitos bairros da capital. Aqui, as represas foram criadas há 32 anos, e representaram uma alteração imensa na paisagem local, além de um duro processo de retirada de famílias de suas terras, que estavam dentro da área projetada para ser alagada. Segundo relatos de moradores mais antigos, o processo foi muito duro, porque muitas famílias não tinham escritura de suas propriedades e, assim, perderam tudo o que tinham, da noite para o dia, sem nenhum tipo de indenização. Pior: há muitas histórias de suicídios, causados pelo desespero e pela sensação de impotência diante de um poder instituído e inquestionável.
Quando se fala em meio ambiente, infelizmente, a lógica que vive se repetindo é uma só: vence sempre quem tem mais dinheiro. Mas é bom dizer: os mais pobres, na verdade, perdem primeiro, porque a tendência é que o problema, lá na frente, atinja também os mais abastados (e, por isso, mais poderosos). Com os cenários de mudanças climáticas também tem sido assim. Os refugiados ambientais hoje representam populações que já estavam na curva dos excluídos.
Vejo notícias na tevê e nos jornais sobre a queda no nível dos reservatórios que abastecem a região mais rica do país e sinto na pele o desprezo pelas populações que moram nos locais que são citados apenas como ‘reservatórios’, como se ninguém morasse ali, como se isso não tivesse a menor importância, como se estes fossem apenas gigantescas caixas d’água das grandes cidades (que, depois de consumir toda a água produzida localmente, agora precisam ir buscar o recurso em regiões cada vez mais distantes).
Bom, passado o trauma da inundação na cidade, que mudou a vida de grande parte dos moradores, Piracaia aprendeu a olhar a represa como uma oportunidade de levantar o turismo da cidade, trazer mais empreendimentos imobiliários (especialmente os condomínios de luxo à beira da represa, com lanchas particulares que desfilam desigualdade social), ofertas de pousadas e, assim, levantar a arrecadação de impostos. Mas, com a escassez de água, o governador já pensa na possibilidade de esvaziar por completo a represa, na tentativa de evitar que o racionamento (que já atinge a “periferia”) chegue à capital. Ainda que a decisão não seja tomada agora, a chance de que aconteça mais à frente ou a qualquer momento é grande. Mais uma vez, a cidade aguarda por decisões políticas que vêm de fora. Resta, ao menos, aguardar pelas chuvas ou imaginar, como já ouvi de gente por aqui, que, se faltar água, o jeito vai ser tomar suco de eucalipto…
blog do Planeta Sustentável
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