Tenho acompanhado a insegurança e aflição vivida por pessoas ligadas a "causa animal", no que se refere aos resultados da aprovação por parte da comissão especial de juristas do Senado, encarregada de elaborar proposta para um Novo Código Penal brasileiro.
Um dos objetivos da referida comissão é reunir no anteprojeto normas penais previstas em leis esparsas, como é o caso da Lei Federal 9.605/98, que trata dos crimes ambientais. Tal procedimento é compreensível, tendo em vista que muitas leis extravagantes foram criadas em nosso ordenamento jurídico por falta de previsão no Código Penal brasileiro, sendo esta a oportunidade para atualizá-lo.
Portanto, a intenção dos juristas em incluir os crimes ambientais no texto do Código Penal (dentre eles o crime de maus-tratos e tráfico de animais), ao meu ver, demonstra respeito e tratamento mais protetivo aos crimes desta natureza.
Dentre os resultados da aprovação está o aumento de penas já existentes em vários artigos da Lei extravagante 9.605 / 98, em quantia suficiente para mudar completamente o quadro neste país dos crimes de maus-tratos contra animais e outros crimes previstos na referida Lei Federal Ambiental. O suficiente também para retirar dos autores de crimes desta natureza todos os privilégios que a Lei 9.099 /95, que dispõe sobre crimes de baixo potencial ofensivo, tem lhes garantido, como assinar um termo de compromisso para comparecer ao juizado especial criminal quando intimado, e voltar para casa logo após matar um gato a pauladas, atear fogo em um cavalo, ou arrastar um cão amarrado em um veículo.
Com o aumento dessas penas máximas, que em alguns casos chegam a mais de seis anos de prisão (levando em consideração as qualificadoras), referidos crimes deixam de ser considerados de menor potencial ofensivo, e o autor poderá ser preso em flagrante delito sem a proteção de uma série de benefícios oferecidos pela Lei 9099/95.
Portanto, o indivíduo que for pego maltratando um animal, de acordo com essas mudanças, poderá será preso em flagrante delito, e se a pena máxima do artigo 32 da Lei 9.605 /98 realmente aumentar para quatro anos de prisão, o malfeitor poderá pagar uma fiança que será estipulada de acordo com o entendimento do delegado de polícia, no valor de até 100 (cem) salários mínimos. Se o autor exibir a quantia, poderá responder o processo em liberdade. Caso contrário, será encaminhado para a cadeia. Se o animal vir a óbito devido aos maus-tratos, a pena máxima será de seis anos de prisão e o autor não terá direito à fiança caso seja preso em flagrante delito.
Se realmente as penas forem aumentadas de acordo com a proposta, não serão registrados mais termos circunstanciados de ocorrências para casos desta natureza, mas somente instaurados inquéritos policiais, e, provavelmente, isto implicará na demanda da criação de delegacias de polícias especializadas mais estruturadas, e não somente setores especializados.
É possível enxergar, por este ângulo, o quão importante serão estas mudanças?
No que se refere a criação dentro do Código Penal de um artigo que prevê como crime o abandono de animais, isto vem a complementar, acrescentar e auxiliar a punir indivíduos que praticam tal covardia, pois atualmente existem entendimentos que o abandono na via pública de um cão saudável e jovem e que não traga riscos a vida ou integridade física de pessoas, não caracteriza fato criminoso, muito menos os maus-tratos previsto no artigo 32 da Lei 9605/98.
Acrescentou-se ainda, parágrafos relevantes no crime de maus-tratos (art. 32, que passou a ter pena de prisão de um a quatro anos) que prevêm qualificadoras nos casos de lesão grave ou permanente do animal, com aumento de um sexto a um terço da prisão, sendo que se o animal vier a óbito o aumento será pela metade (até seis anos de cadeia).
O crime de tráfico de animais também obteve atenção especial dos juristas, que propuseram aumento de pena de dois a seis anos de prisão.
Não esqueçamos que há poucos dias as entidades protetoras e pessoas ligadas à causa animal tinham a grande preocupação em evitar que o crime de maus-tratos fosse extinguido durante a Reforma do Código Penal, ou que os juristas transformassem em penas de multa. Para que isso fosse evitado, as pessoas se uniram através de um canal de comunicação direto (on-line ) com o Senado, e mais de 60 (sessenta) mil assinaturas em documento impresso, propondo maior rigor na legislação foram entregues a comissão, o que sem dúvida ajudou a conquistar a aprovação dessas importantes mudanças.
Eu entendo que temos sim o que comemorar...
Conseguimos o primeiro grande passo, e precisamos continuar unidos e confiantes a fim de que essas propostas sejam aprovadas pela outra Casa Legislativa e, finalmente, sancionadas pela nossa presidente da República.
Devemos evitar comentários que possam desestabilizar essa enorme onda de energia positiva que todos nós criamos, e que, sem dúvida alguma, alcançou o coração de nossos legisladores.
Entendo que, se essas mudanças forem finalmente aprovadas, muito poderemos fazer para combater efetivamente os maus-tratos aos animais, sob o ponto de vista jurídico, o que, sem dúvida alguma, refletirá de forma positiva a inibir a prática dos crimes desta natureza, já que o autor que for autuado em flagrante maltratando um animal será recolhido em uma cadeia, ou, na melhor das hipóteses, terá que desembolsar uma fiança que poderá chegar ao valor equivalente a 100 ( cem) salários mínimos...
É só calcular e refletir se realmente não há motivos para comemorarmos!
Por: Rosana Vescovi Mortari
Delegada de Polícia
Setor de Proteção ao Animais
e Meio Ambiente de Campinas
Protetora e Ativista
Peço que também leia e repasse este texto
A Procuradora de Justiça e membro da Comissão da Reforma do Código Penal, Luiza Eluf, esclarece suas dúvidas sobre o Código Penal
Neste período nós comparecemos ou fomos representados nas Audiências Públicas de São Paulo, Aracaju, Rio de Janeiro e Porto Alegre. Elaboramos documentos, compilamos estudos internacionais, fizemos uma petição online que hoje conta com mais de 100 mil assinaturas, fizemos um Pedágio Nacional do qual, até o momento, já recebemos cerca de 80 mil assinaturas físicas, começamos uma campanha para incentivar as pessoas a enviar suas sugestões no ALÔ SENADO, fomos a Brasilia levar cerca de 160 mil assinaturas, parciais, que demonstram o anseio da população por maior punição para quem comete crimes contra animais.
Lembrando que que tivemos a informação de que a Lei de Crimes Ambientais seria encampada na Reforma do Código Penal, e que somente a Comissão teria legitimidade para tomar tal decisão, por estar no âmbito de suas atribuições.
Uma vez de posse desta informação, que aconteceria independentemente de nossa vontade, iniciamos o movimento para que os animais não perdessem o já foi conquistado, e também que os juristas aumentassem as penalizações para as condutas de maus tratos.
No último dia 25 de Maio finalmente o texto que trata de maus tratos a animais foi aprovado na Comissão, as penas quadruplicaram, e em certos casos se somadas poderão ultrapassar seis anos.
A atual legislação, que trata de maus tratos a animais, (Lei 9605/98 Art. 32) pune casos de abusos e maus tratos com pena de detenção de três meses a um ano. Outra lei que passou a vigorar em 2006, Lei 9099/06, caracterizou maus tratos contra animais, entre outros crimes com punição de até dois anos, como baixo potencial ofensivo e, então, a punição passou a ser pagamento de cestas básicas e multa.
No anteprojeto da Reforma do Código Penal as penas para maus tratos a animais foram aumentadas para "de um a quatro anos", no caso de lesão grave ou mutilação a pena pode aumentar em até um terço, e no caso de morte aumenta pela metade. Isso quer dizer que casos como o da enfermeira que espancou a yorkshire Lana, levando-a a óbito, poderia punida com até seis anos de prisão.
O texto também tipificou como crime o abandono não dar assistência ou socorrer animais em sofrimento e as rinhas, neste ultimo caso, se ocorrer a morte do animal, a pena pode chegar a doze anos.
Segundo o novo texto do Código de Processo Penal, sancionado em Junho de 2011, o juiz terá 14 alternativas demedidas cautelares para condenar crimes com punição de até quatro anos de prisão. Recolhimento domiciliar, monitoramento eletrônico, proibição de ausentar-se da comarca ou país e comparecimento periódico em Juiz, estão entre elas. Hoje crimes como ocultação de cadáver, estelionato e abandono de incapaz enquadram-se neste tipo de punição.
Mesmo com tal avanço, algumas dúvidas ficaram e entramos em contato com a Procuradora de Justiça Dra. Luiza Eluf a fim de saná-las.
A Dra Luiza Eluf é Procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo e membro da Comissão de Juristas para a Reforma do Código Penal. Segundo ela a aprovação do texto foi um grande avanço, a separação dos delitos e a possibilidade de somar as penas cominadas, podendo ser aplicada a punição de seis anos para quem mal tratar um animal e causar sua morte, equiparou animais a seres humanos, pois esta é a pena aplicada para homicídio simples.
Embora a procuradora tenha trabalhado para impedir a retirada do verbo ferir do texto, ela informa que tal ato será enquadrado como maus tratos.
É possível mal tratar sem ferir, mas não é possível ferir sem mal tratar.
Segundo a Dra. Eluf, não é necessário prender alguém para se fazer justiça, a prisão deve ser reservada para os latrocidas, assassinos, sequestradores, estupradores, pedófilos, etc.
Outro ponto importante é que o agente que cometer maus tratos perderá a primariedade.
O anteprojeto da Reforma do Código penal será apresentado ao Senado, no final do mês de Junho, quando se transormará em um projeto de lei. Ele deverá tramitar no Senado e na Câmara Federal, para então ser sancionado pela presidência.
O Movimento Crueldade Nunca mais pretende acompanhar todo esse processo, assim que o projeto de lei começar sua tramitação informaremos para que todos se cadastrem a fim de acompanharmos juntos. Daremos continuidade a nossa petição online e recolhimento de assinaturas, e nos manifestaremos a cada comissão ou emenda recebida.
O Movimento Crueldade Nunca Mais elaborou algumas perguntas para a Dra. Luiza Nagib Eluf, a fim de elucidar algumas dúvidas que pairam a respeito da redação aprovada no anteprojeto.
1 - O novo Código de Processo Penal, sancionado em Junho de 2011, prevê 14 tipos de medidas cautelares para crimes com pena de prisão até 4 anos, para que o juiz tenha alternativas na condenação. Essas penas se aplicam a quem cometer crimes contra animais, se a redação do anteprojeto do Novo Código Penal for sancionada?
São elas:
- Fiança;
- Recolhimento domiciliar;
- Monitoramento eletrônico;
- Suspensão do exercício da profissão, atividade econômica ou função pública;
- Suspensão das atividades de pessoa jurídica;
- Proibição de frequentar determinados lugares;
- Suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor, embarcação ou aeronave;
- Afastamento do lar ou outro local de convivência com a vítima;
- Proibição de ausentar-se da comarca ou do País;
- Comparecimento periódico ao juiz;
- Proibição de se aproximar ou manter contato com pessoa determinada;
- Suspensão do registro de arma de fogo e da autorização para porte;
- Suspensão do poder familiar;
- Bloqueio de internet;
- Liberdade provisória.
Dra. Eluf. Sim, as regras gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal se aplicam aos crimes cometidos contra os animais. Além disso, nossa Comissão de Reforma do Código está prevendo penas de multa em geral, para qualquer caso em que o juiz julgar necessário e cabível. No entanto, não considero que essas penas sejam inadequadas. Não há necessidade de prender alguém para que se faça justiça. As penas alternativas de prestação de serviço são aconselháveis para o caso de o condenado não representar perigo ao convívio social. A prisão deve ser reservada para os latrocidas, assassinos, sequestradores, estupradores, pedófilos, etc.
2 - Como fica a questão da Lei 9099/95, nos casos de processos julgados onde a punição inferior ou igual a dois anos?
Dra. Eluf. O Juizado Especial Criminal continua sendo o foro adequado, dependendo do crime e de sua pena.
3 - Todas as penas foram mudadas de "detenção" para "prisão", na prática o que isso significa?
Dra. Eluf. Nós simplificamos as penas privativas de liberdade porque, na prática, nunca houve distinção entre prisão, detenção e reclusão. Na realidade, deveria haver uma diferenciação, mas nosso sistema carcerário é precário e não tem capacidade para a graduação prevista na Lei. Resolvemos, então, chamar de pena de prisão todas as formas de privação de liberdade.
4 - Com os agravantes aprovados na redação do anteprojeto, as penas podem ultrapassar seis anos de prisão, na prática o que isso significa?
Dra. Eluf. A pena de seis anos de prisão é prevista para o homicídio simples. Estamos equiparando os animais aos seres humanos, o que é muito positivo e educativo. Nós, que amamos os animais e a natureza, alcançamos um grande progresso na Comissão de Reforma do Código Penal.
5 - Se o agente nunca cometeu um crime e pratica maus tratos, que não levem à morte, como ele será punido? E ele não sendo primário?
Dra. Eluf. Nesse caso, o agente terá uma pena alternativa e deverá prestar serviços à comunidade e pagar multa. Mas poderá ter que cumprir a pena de prisão se for reincidente, principalmente se tiver outras condenações pelo mesmo tipo de delito.
6 - A expressão "ferir" foi retirada do artigo 32, que aplica pena de um a quatro anos para maus tratos, porém no §2º a pena é aumentada de um sexto a um terço se ocorre lesão grave do animal, e no §3º ela é aumentada na metade se ocorre a morte do mesmo. Isso significa que ganhamos ou perdemos com a retirada da expressão "ferir"?
Dra. Eluf. Alguns membros da Comissão de Reforma insistiram em tirar o verbo ferir alegando que a bancada ruralista poderia barrar a tramitação de todo o projeto por causa disso. Muitas pessoas que criam gado e marcam os animais com ferro em brasa poderiam ser punidas em razão desse verbo ferir. Embora eu tenha alegado que esse verbo já exisitia na Lei e não havia causado tais problemas, os colegas argumentaram que estávamos aumentando muito a pena e teríamos que restringir as condutas. Eu perdi nessa briga porque a maioria quis tirar o verbo ferir. Mas vamos continuar punindo quem ferir animais enquadrando em maus-tratos.
7 - Os juristas optaram por configurar crime, de forma explícita, o abandono, não dar assistência ou socorrer animais em sofrimento e as rinhas. No que isso facilitará o trabalho dos agentes policiais e do MP?
Dra. Eluf. O abandono é uma conduta comum e precisa de punição específica. As outras formas previstas que você citou também. Eu até gostaria de voltar ao tema para ampliar esse artigo, mas acredito que a Comissão vai se negar a voltar a temas já votados. De qualquer forma, foi um avanço.
8 - O tráfico de animais também teve as penas aumentadas de seis meses a um ano, para de dois a quatro anos. A senhora considera isso uma conquista, ou acha que não surtirá efeitos?
Dra. Eluf. Considero que foi um grande avanço. O tráfico de animais é um dos crimes mais lucrativos ao redor do mundo. Está atrás apenas do tráfico de drogas e do tráfico de armas! Precisamos punir essa barbaridade sem sentido, essa crueldade que se comete muitas vezes para suprir o desejo mórbido e sádico de ver um pássaro maravilhoso ser retirado de seu habitat natural e colocado em uma gaiola para o deleite de homens doentes da cabeça.
9) Segundo o texto do anteprojeto, casos em que os maus tratos culminem em lesão permanente ou morte do animal, as penas poderão ultrapassar 4 anos de prisão, dependendo do veredicto do juiz, correto? Nestes casos a punição será o encarceramento efetivo?
Dra. Eluf. Sim, nesse caso o sujeito deverá cumprir pena de prisão.
10) Considerando o estabelecido no anteprojeto, em sua opinião qual a penalização que poderia ocorrer para casos brutais, como o da enfermeira que matou o cãozinho Yorkshire a pancadas, flagrada por uma filmagem?
Dra. Eluf. Nesse caso, eu aplicaria a pena no grau máximo: 4 anos mais 2 anos pela morte do animal. Artigos 32, parágrafo 3º. Total 6 anos.
11) Nos casos de flagrantes de maus tratos, o que acontecerá com o criminoso? Deverá ser detido até o julgamento?
Dra. Eluf. No caso de flagrante, o agente deverá ser preso.
12) Em que situação agente poderá deixar de ser réu primário no caso de ser condenado por cometer crimes contra animais?
Dra. Eluf. Sempre que houver condenação, será perdida a primariedade.
13) Qual seria a punição para o caso de reincidência no crime de maus tratos?
Dra. Eluf. A reincidência aumenta a pena. Assim, ficaria acima do mínimo de um ano, provavelmente com aumento de 1/6. Mas tudo depende do caso concreto e do grau de crueldade.
Luiza Eluf é Procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo e membro da Comissão de Juristas para a Reforma do Código Penal.
Textos de Rosana Vescovi Mortari, Delegada de Polícia - Setor de Proteção ao Animais e Meio Ambiente de Campinas
Textos de Rosana Vescovi Mortari, Delegada de Polícia - Setor de Proteção ao Animais e Meio Ambiente de Campinas
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