O escândalo desta semana em torno da carne de cavalo em hambúrgueres e lasanhas espalhou-se para além do Reino Unido, revelando falhas na cadeia de fornecimento de alimentos do Continente. As autoridades agora estão tentando rastrear o caminho tortuoso da carne pela Europa para impedir futuros problemas.
A matéria é de Carsten Volkery, publicada na revista Der Spiegel e reproduzida pelo Portal Uol, 15-02-2013.
A carne de cavalo foi descoberta primeiramente em hambúrgueres congelados, mas depois na lasanha e mais recentemente no espaguete. No Reino Unido, as pessoas estão começando a se perguntar se é possível comer alimentos congelados em sã consciência. Há dias que o escândalo da carne de cavalo moída vem liderando as manchetes como a principal questão política do país. Na terça-feira (12), a Câmara dos Comuns passou seu segundo dia seguido debatendo as práticas muitas vezes inseguras de produção de carne na Europa.
E agora o escândalo está se espalhando. Traços de carne de cavalo também foram descobertos em outros países, inclusive em supermercados na França e na Alemanha.
Na quarta-feira, as autoridades do Ministério de Proteção ao Consumidor do Estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália confirmaram que estão investigando possíveis remessas de alimentos congelados mal descritos que poderiam conter carne de cavalo na Alemanha. A agência disse que só poderia confirmar se os produtos de fato continham carne de cavalo por teste de DNA. Até agora, porém, nenhuma carne clandestina de cavalo foi descoberta na Alemanha, mas várias cadeias de supermercados removeram determinados produtos de suas prateleiras por precaução.
Governo britânico na defensiva
Em nenhuma parte a revolta foi tão grande quanto no Reino Unido. Membros do Parlamento exaltados exigiram um congelamento das importações do Continente. Os críticos do euro no país tiraram proveito oportunidade para atacar a União Europeia como um monstro incontrolável. "O mercado único da UE é um convite à fraude", comentou Bernard Jenkin, membro conservador do Parlamento.
O tabloide britânico "Sun" publicou que uma "casa de abate romena sombria, construída com dinheiro da UE" foi uma das fontes da carne de cavalo no centro do escândalo. Durante o debate no Parlamento na terça-feira, o secretário de meio ambiente, Owen Peterson, cujo portfolio também inclui a agricultura e alimentos, reprovou o que ele chamou de "ação criminosa" do exterior que levou à situação na qual milhares de britânicos tinham comido sem saber hambúrgueres e lasanhas contendo carne de cavalo. No final de semana, ele já havia advertido sobre uma "conspiração internacional".
Contudo, parece que as firmas britânicas foram pegas conduzindo práticas similarmente enganosas. As autoridades da Agência de Padrões Alimentares (FSA) e a polícia inspecionaram na terça-feira os abates de cavalo no condado de Yorkshire e uma processadora de carne em Wales. As duas empresas teriam usado carne de cavalo em kebabs e hambúrgueres.
O governo britânico agora está na defensiva, depois de ignorar o primeiro caso de rótulo enganoso há um mês. Em meados de janeiro, foi descoberta carne de cavalo em hambúrgueres congelados vendidos em supermercados baratos no Reino Unido e na Irlanda, inclusive em subsidiárias das cadeias alemãs Aldi e Lidl.
Testes para todos os produtos da carne
Os políticos e as autoridades não reagiram até a semana passada, quando uma lasanha congelada feita quase inteiramente de carne de cavalo foi descoberta nas lojas. Na segunda-feira, a rede de supermercados Tesco, líder do mercado, finalmente afirmou que seu espaguete à bolonhesa Everyday Value tinha sido fabricado inteiramente com carne de cavalo congelada.
Provavelmente, haverá outros casos nos próximos dias, porque a FSA determinou que fossem feitos testes de autenticidade para todos os produtos de carne de vaca. Os primeiros resultados desses testes devem ser divulgados na sexta-feira. Uma vez terminados, a agência planeja testar os produtos de porco e frango, para eliminar quaisquer dúvidas.
Na terça-feira, Paterson conduziu a segunda reunião de crise em quatro dias com representantes da indústria de alimentos. E na quarta-feira, os ministros de agricultura da UE reuniram-se em Bruxelas, sob pressão do Reino Unido, para discutir formas de melhor monitorar os produtos da carne.
Parece que melhorar o monitoramento de fato é necessário. Até agora, o governo britânico admitiu apenas dois casos isolados. A firma irlandesa Silvercrest Foods forneceu carne de cavalo para os hambúrgueres em questão. E a produtora francesa Comigel forneceu a carne moída da lasanha e do espaguete à bolonhesa.
Um trem complexo pela Europa
As coisas começam a ficar turvas quando se estuda a rota convoluta da carne, de um abatedouro na Romênia até as prateleiras de supermercado no Reino Unido, uma cadeia de fornecedores tão complicada que chocou muitos no país. A subsidiária da Comigel em Luxemburgo, Tavola, encomendou a carne moída para a lasanha da Spanghero, uma subsidiária da Poujol na França. A Poujol havia adquirido a carne congelada de um comerciante cipriota, que terceirizou o contrato para uma firma holandesa que obteve a carne de cavalo de um abatedouro na Romênia.
"Não deveríamos ser tão ignorantes sobre nossa cadeia alimentar. Essa expressão costumava significar animais comendo outros animais, não animais mortos passeando de trem", disse o colunista do "Times of London" Hugo Rifkind. "O grande choque deveria ser que essa é a nossa cadeia alimentar em geral". E Anne McIntosh do Partido Conservador, que preside o Comitê de Agricultura do Parlamento, disse que é preciso se perguntar sobre as condições da carne congelada quando foi transportada por tantos países.
A pergunta que agora deve ser respondida é em qual ponto a carne foi mal rotulada nesta longa cadeia de fornecedores. Até agora, todos os intermediários envolvidos estão se recusando a admitir responsabilidade. Os homens que administram o abatedouro, que acontecem de ser irmãos do ministro de agricultura da Romênia, chegaram a apresentar recibos indicando que a carne de cavalo havia sido corretamente identificada como tal no momento em que a venderam. Buscando conter um possível dano à imagem do país, o primeiro-ministro, Victor Ponta, está advertindo para que seu país não seja feito bode expiatório da UE, como acontece frequentemente.
Desde o surto de encefalopatia espongiforme (BSE), ou doença da vaca louca, nos anos 90, foram estabelecidos sistemas para permitir que cada quilo de alimento na UE fosse rastreado até sua origem precisa. Aparentemente, porém, isso por si só não é suficiente para impedir fraudes.
O governo britânico acredita o mercado interno da UE se baseia demasiadamente na confiança. O secretário de meio ambiente, Paterson, agora está sugerindo que se façam verificações regulares em vez de depender das informações fornecidas nos documentos de remessa. Também é possível que a perspectiva de vultuosas multas force a indústria a repensar suas práticas. Muitas das empresas afetadas no escândalo agora estão considerando processar seus fornecedores.
Por enquanto, porém, políticos e especialistas estão oferecendo conselhos simples aos consumidores britânicos: comprem produtos britânicos. E Roger Kelsey, diretor executivo da Federação Nacional de Carne e Alimentos Comerciantes disse que os consumidores têm uma escolha: se comprarem produtos locais podem confiar no que estão recebendo. Só que será mais caro.
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