Grupo enfrentou doenças, como a malária, e o medo da violência para construir o prédio que vai atender crianças da Libéria
"No final da obra tivemos inúmeros casos de furtos dos próprios trabalhadores. Somando-se a isso, surgiu um boato de que teríamos US$ 200 mil a mais para gastar com o projeto. Valor completamente inexistente. Diante desta boataria, e com medo de um possível sequestro, decidimos sair sem comunicar a ninguém. Apenas eu, Peetssa e nossa equipe no Brasil sabíamos desta saída", disse Zanotti em entrevista ao Terra. O jornalista Vinícius Zanotti e construtor Fabio Ivamoto Peetsaa, que viajaram à Libéria para tocar a obra em fevereiro deste ano, precisaram deixar o local às pressas. O boato de que eles teriam US$ 200 mil em dinheiro, de supostas doações para terminar a escola, se espalhou pela comunidade e o medo de um assalto obrigou a saída imediata. A inauguração não pôde ser feita, mas o prédio está pronto e as aulas terão início no começo de agosto, atendendo 350 crianças da comunidade de Fendell, na periferia da capital Monróvia.
A ideia de construir a escola surgiu em 2010, quando Zanotti viajou à Libéria para realizar o sonho da adolescência de visitar a África. No país ele conheceu o trabalho de Sabato Neufville, um liberiano que construiu um galpão com bambu para organizar aulas para as crianças da comunidade de Fendell. Foi lá, também, que contraiu febre tifoide e malária e precisou estender a viagem que seria de 15 dias para mais de dois meses. Nesse tempo, gravou imagens do local e coletou depoimentos que se transformaram no documentário Escola de Bambu. O vídeo de 15 minutos foi premiado em diversos festivais e tornou-se o mote da campanha para construir um novo prédio, com condições dignas de estudo para as crianças da comunidade.
O medo da violência e das doenças não impediram que um grupo de brasileiros cumprisse a missão de construir uma escola de bambus em um dos países mais pobres da África, a Libéria. A obra foi concluída no final de junho, após cinco meses de construção e de três anos arrecadando dinheiro pela internet, com rifas, festas e venda de DVDs, canetas e camisetas sobre o projeto. No entanto, o sonho de ver a escola funcionando precisou ser interrompido por causa do receio de um sequestro.
O jornalista - que teve a ideia de construir a escola de bambu em 2010, durante uma viagem à Libéria - também relatou outro problema enfrentado no final da obra. O gerador (fabricado com ímãs de HDs de computador quebrado e rodas de bicicleta) e a bomba de água criados pelo colega Peetssa e que garantiriam energia elétrica à escola não foram instalados. "O proprietário do terreno da barragem, que tinha autorizado previamente, quis cobrar posteriormente o uso do solo. Já o proprietário da comunidade seguinte que o rio passava, queria um tratamento químico na água por conta dela ter ficado barrenta por apenas um dia. Um argumento para tentar, de um jeito ou outro, ter algum proveito financeiro", lamentou Zanotti.
Apesar das dificuldades, ele disse que não sente nenhuma frustração com o projeto. "Apenas esta saída imediata nos surpreendeu. Mas ao mesmo tempo, compreendemos um pouco da situação liberiana, país com 83% da população desempregada: salve-se-quem-puder, da forma que puder", disse ao lembrar das dificuldades enfrentadas ao longo dos últimos meses no país, devastado por uma guerra civil que durou de 1989 a 2003.
Zanotti e Peetssa moraram por cinco meses em um galpão, ao lado da futura escola, sem energia elétrica e água encanada. As baterias das câmeras fotográficas e do computador eram carregadas graças a um inversor de energia, que utiliza a bateria de um carro para funcionar. A alimentação era precária e o medo de doenças, como malária e tifo, uma constante. Felizmente, eles conseguiram concluir a obra em segurança e pegaram um avião para a Europa, onde se encontram atualmente, na casa de amigos. O retorno ao Brasil está previsto para agosto.
A escola de bambu
O modelo da escola foi desenvolvido pelo arquiteto brasileiro André Dal’bó, que viajou para a Libéria em março e permaneceu lá por 35 dias. Assim como o galpão anterior usado por Neufville para as aulas, a nova escola também não vai contar com energia por causa do problema na instalação do gerador, mas a estrutura é mais ampla e moderna.
As paredes, vazadas para permitir a utilização da luz natural, foram erguidas com tijolos adobe e bambu - matérias-primas abundantes e de baixo custo na região. Foram construídos quatro módulos, com três salas em cada um. Cada brasileiro que colocaborou com doações ao projeto teve seu nome gravado nas paredes.
Quem vai coordenar as aulas na nova escola é o próprio Neufville, fundador do United Youth Movement Against Violence (Movimento da Juventude Contra a Violência, em tradução livre) e pai adotivo de nove crianças órfãs de guerra. Com um salário de US$ 800 mensais, o trabalhador freelancer da Organização das Nações Unidas (ONU) vai continuar pagando o salário dos professores e manter a nova estrutura, com o apoio da comunidade, que aprendeu lições sobre construção e organização social com os brasileiros.
Segundo Zanotti, ainda é preciso fazer o fechamento do caixa das doações recebidas pelos brasileiros. Mas ele afirma que não faltou dinheiro para concluir a obra. Questionado sobre a possibilidade de retornar à Libéria, o jornalista diz que ainda não pensou nisso. "Talvez daqui uns 10 anos", afirmou. Os planos imediatos são de reencontrar a família em Campinas (SP) e procurar um emprego.
A sala de aula é, por excelência, o espaço das crianças – daquelas que posaram sorridentes para as fotografias que fizemos, lindas como todas são, as quais ocuparão para sempre o melhor espaço em nossos corações
Vinicius Zanottijornalista
A alegria pela missão cumprida, como Zanotti escreveu na página do projeto no Facebook, veio acompanhada de uma mensagem de esperança no futuro daquelas 350 crianças que agora têm a oportunidade de aprender e de mudar os seus destinos. "Hoje, mais do que nunca, acreditamos que qualquer mudança social começa obrigatoriamente pela sala de aula. É lá que a sociedade se transforma, aprimora seus valores e se educa para um futuro melhor, mais próspero e livre. A sala de aula é, por excelência, o espaço das crianças – daquelas que posaram sorridentes para as fotografias que fizemos, lindas como todas são, as quais ocuparão para sempre o melhor espaço em nossos corações".
A despedida dos brasileiros veio com um "Cunhalerê", que em Pelé, o dialeto local, significa "amanhã será melhor do que hoje". Seja na Libéria ou no Brasil, com acesso à educação o futuro será sempre melhor.
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