As 'coisas indescritíveis' do mundo do consumo



Sábado, 20 de outubro de 2012 


"É cada vez maior o número de economistas que já mencionam com frequência a "crise da finitude de recursos". Os preços médios de alimentos "devem dobrar até 2030, incluídos milho (mais 177%), trigo (mais 120% e arroz (107%)", alerta a ONG Oxfam (Instituto Carbono Brasil, 6/9). 775 milhões de jovens e adultos são analfabetos e não têm como aumentar a renda (Rádio ONU, 10/9)", escreve Washington Novaes, jornalista, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 19-10-2012.

Lembrando Hobsbawn, o jornalista afirma "'A sociedade de consumo' 'interessa-se apenas pelo que pode comprar agora e no futuro'. Mas terá de resolver o problema de 1 bilhão de idosos em dez anos".

Eis o artigo.

O historiador Eric J. Hobsbawn, que morreu no começo da semana passada, deixou livros em que caracterizou de forma contundente os tempos que estamos vivendo. "Quando as pessoas não têm mais eixos de futuros sociais acabam fazendo coisas indescritíveis", escreveu ele no ensaio Barbárie: Manual do Usuário (Estado, 2/10). Ou, então, "aí está a essência da questão: resolver os problemas sem referências do passado".
Por isso, certamente Hobsbawn não se espantaria com a notícia estampada neste jornal poucos dias antes de sua morte: Na Espanha, cadeados nas latas de lixo (27/9). "Com cada vez mais pessoas vivendo de restos, prefeitura (de Madri) tranca as latas como medida de saúde pública." Nada haveria a estranhar num país onde a taxa de desemprego está por volta de 25%, 22% das famílias vivem na pobreza e 600 mil não têm nenhuma renda.

E que pensaria o historiador com a notícia (Estado, 26/9) de que as autoridades de Bulawato, no Zimbábue (África), "pediram aos cidadãos que sincronizem as descargas de seus vasos sanitários para poupar água. (...) Os moradores devem esvaziar os vasos apenas a cada três dias e em horários determinados"? Provavelmente Hobsbawn não se espantaria, informado das estatísticas da ONU segundo as quais 23% da população mundial (mais de 1,5 bilhão de pessoas) defeca ao ar livre por não ter instalações sanitárias em sua casa. As do Zimbábue ainda estão à frente.

E da China que pensaria ele ao ler nos jornais (22/9) que a prefeitura de Xinjian, no leste do país, "está sob intensa crítica da opinião pública após enjaular dezenas de mendigos no mesmo lugar durante um festival religioso"? Ao lado da foto das jaulas nas ruas com mendigos encarcerados, a explicação de autoridades de que assim fizeram porque os pedintes assediavam peregrinos e corriam risco de ser atropelados ou pisoteados. Mas "entraram nas jaulas voluntariamente". Será para não correr riscos desse tipo que "quatro estrangeiros de origem ignorada" vivem há três meses no aeroporto de Cumbica, em São Paulo, recusando-se a dizer sua nacionalidade e procedência (Folha de S.Paulo, 29/9)? "Em tempos de transformação", disse o psicanalista Leopold Nosek a Sonia Racy (Estado, 7/10), "quando o velho não existe mais e o novo ainda não se estruturou, criam-se os monstros".

Para onde se caminhará? Na Europa, diz a Organização Internacional do Trabalho que, com todo o sul do continente em crise, o desemprego na faixa dos 15 aos 24 anos crescerá 22% em 2013, pouco menos no ano seguinte. Nos Estados Unidos, a taxa de desemprego entre jovens está em 17,4%, talvez caia para 13,35% até 2017 (Agência Estado, 5/9). O desemprego médio nos 17 países da zona do euro subiu para 11,4%.

Pulemos para o lado de cá. Um em cada cinco brasileiros entre 18 e 25 anos não trabalha nem estuda (Estado, 26/9). São 5,3 milhões de jovens. Computados também os que buscam trabalho, chega-se a 7,2 milhões. As mulheres são maioria. E o déficit ocorre embora o País tenha gerado 2,2 milhões de empregos formais em 2011.

As estatísticas são alarmantes. A revista New Scientist (28/7) diz que 1% da população norte-americana controla 40% da riqueza. Já existem 1.226 bilionários no mundo. "Nós somos os 99%", diz o movimento de protesto Occupy. Entre suas estatísticas estão as que os relatórios do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) vêm publicando desde a década de 1990: pouco mais de 250 pessoas, com ativos superiores a US$ 1 bilhão cada, têm, juntas, mais do que o produto bruto conjunto dos 40 países mais pobres, onde vivem 600 milhões de pessoas. Já a metade mais pobre da população mundial fica com 1% da renda global total. Menos de 20% da população mundial, concentrada nos países industrializados, consome 80% dos recursos totais. E 92 mil pessoas já acumulam em paraísos fiscais cerca de US$ 21 trilhões, afirma a Tax Justice Network.

E que se fará, com a população mundial aumentando e os recursos naturais - inclusive terra para plantar alimentos - escasseando? É cada vez maior o número de economistas que já mencionam com frequência a "crise da finitude de recursos". Os preços médios de alimentos "devem dobrar até 2030, incluídos milho (mais 177%), trigo (mais 120% e arroz (107%)", alerta a ONG Oxfam (Instituto Carbono Brasil, 6/9). 775 milhões de jovens e adultos são analfabetos e não têm como aumentar a renda (Rádio ONU, 10/9).

De volta outra vez ao nosso terreiro, vemos que "mais de 90% das cidades estão sem plano para o lixo" (Estado, 2/8). Na cidade de São Paulo, 90% do lixo reciclável vai para aterros sanitários (CicloVivo, 10/8). Diariamente 5,4 bilhões de litros de esgotos não tratados são descartados. Perto de metade dos domicílios não é ligada a redes de esgotos. A perda de água nas redes de distribuição (por furos, vazamentos, etc.) está por volta de 40% do total. Mas 23% das cidades racionam água, segundo o IBGE (Estado, 20/10/2011). E grande parte da água do Rio São Francisco que será transposta irá para localidades com essas perdas - antes de corrigi-las. E com o líquido custando muito mais caro, já que muita energia será necessária para elevá-lo aos pontos de destino.

Enquanto isso, a campanha eleitoral correu morna em praticamente todo o País, com candidatos fazendo de conta que vivemos na terra da promissão, não precisamos de planos diretores rigorosos nas cidades, não precisamos responsabilizar quem mais consome - e mais gera resíduos -, não precisamos impedir a impermeabilização do solo das cidades nem impedir a ocupação de áreas de risco.

"A sociedade de consumo", escreveu Hobsbawn, "interessa-se apenas pelo que pode comprar agora e no futuro". Mas terá de resolver o problema de 1 bilhão de idosos em dez anos (Fundo de População das Nações Unidas, 1.º/10).
fonte: Unisinos

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