Entrevista
12 de outubro de 2012
Medicina Tropical de São Paulo.
1) Dr. André, o senhor é bem conhecido pelo seu envolvimento com as questões da leishmaniose. Como tudo começou?
Começou quando estava fazendo um projeto de castração envolvendo universidades e o CCZ em Campo Grande, e eu vi um homem entrar no CCZ com um cachorro boxer lindo, maravilhoso chorando aos prantos e pedindo para não matar o cachorro dele por que o cachorro dele estava bonito e não podia causar doença, e a veterinária na porta falou que devia entregar o animal dele, que se não entregasse, o vizinho dele podia morrer e ele ia ser preso por causa disso. Então, como tinha tanta ignorância em volta disso, eu comecei a questionar o pessoal dos CCZs, eles falavam uma coisa, mas o que eu via na realidade era outra, aí resolvi então separar e decidir o lado que queria fazer, que queria acompanhar que era poder fazer a defesa da verdade do justo. Depois disso comecei a mexer com a ajuda à estas pessoas que tinham esse tipo de situação e você acaba se envolvendo e se tornando um amante dos cães.
2) Quais as causas da expansão da Leishmaniose no Brasil?
A causa principal da expansão da Leishmaniose no Brasil é a falta de técnica em controle do vetor. O país infelizmente é muito grande, por uma questão assim, não dá para entender, a qualidade dos profissionais envolvidos, tanto ética, como tecnicamente envolvido no controle da leishmaniose é muito duvidosa, temos muitos profissionais em doutorado e mestrado, mas sem uma capacidade crítica importante, infelizmente isso até mostra uma falha no sistema de gerenciamento de cursos de pós-graduação.
3) A Portaria Interministerial 1429/2008, proíbe o tratamento do cão infectado e condena o cão à morte. O que o senhor pensa sobre isso?
Na verdade a Portaria não proíbe o tratamento do animal, ela proíbe o uso de medicamento de uso humano específico para tratamento da leishmaniose. Isso acontece justamente por uma questão de falta de visão técnica clara dos responsáveis por isso, porque na verdade não existe remédio veterinário, remédio humano, o remédio existe para tratar uma doença, ele age, por exemplo, sobre o DNA do parasita e não sobre o DNA do ser humano, então não tem lógica querer proibir. A Portaria simplesmente veta em termos o uso dos medicamentos tradicionais para uso no controle de leishmaniose, que na verdade é um grande engano.
4) Há risco para o ser humano conviver com o cão infectado?
Não há risco nenhum para ser humano conviver com o animal infectado. A Leishmaniose, como acontece no caso da dengue, é uma doença vetorial e a presença do animal doente em casa simplesmente indica que há presença do vetor naquele ambiente. Então, o controle de uma doença vetorial se faz o controle de vetor, é o que acontece exemplificativamente no caso da dengue, então risco não há.
5) Existem as verdades e mitos da Leishmaniose Visceral Canina, inclusive é tema de uma de suas palestras, entre eles o tratamento. Se existe tratamento, por que tanta polêmica quanto ao uso de medicamentos?
Na verdade, o que acontece, é que no Brasil especificamente, existe uma política, quer se implantar uma política de controle da leishmaniose através de eutanásia canina.
Essa política foi implantada há mais de 15 anos, os resultados não apareceram, acho até que por uma questão de moral desses técnicos envolvidos, voltar atrás agora seria reconhecer incompetência, então por uma questão até de falta de brilho ético, por uma questão até de vaidade e de orgulho eles não querem voltar atrás nessa decisão e eles sabem que isso é ineficaz.
6) É possível o ser humano transmitir a doença?
Tanto o animal como o ser humano podem transmitir a doença. Existem duas formas de leishmaniose, a chamada zoonótica e antroponótica. A zoonótica é quando a transmissão é feita entre o ser humano e animais e animal com ser humano, quer dizer, uma via de mão dupla.
Existe a antroponótica que é aquela em que o hospedeiro, principal transmissor é o ser humano, é o que acontece, por exemplo, na Índia.
No mundo nós temos 400 mil casos de leishmaniose aproximadamente por ano.
No Brasil, nós temos 4.000, ou seja, 1 % desse total.
A Índia tem sozinha aproximadamente 260mil casos de leishmaniose visceral por ano.
Na Índia, a leishmaniose não é zoonótica, ou seja, não há participação do cachorro, simplesmente do ser humano, ela é antroponótica.
7) O ser humano pode transmitir a doença?
Pode sim. Tanto o ser humano como o animal, quanto mais infectado maior a possibilidade de transmitir a doença. Por isso o tratamento tem essa eficácia de controle, ele reduz a carga parasitária, diminui o número de parasitas no animal, mas não pode ser usado como única terapia, tem que ser usado também o uso de repelentes constantes no animal e a dedetização e controle ambiental dos mosquitos no local onde tem o animal doente ou a pessoa doente.
8) O cão tratado é um transmissor ou portador?
São conceitos diferentes. O transmissor é aquele que é capaz de transmitir a doença, quanto mais sintoma tem animal, maior o risco dele transmitir. Posso ter um animal que é um transmissor e ter um animal que pode simplesmente ser um portador e não um transmissor.
Acontece que, quanto menos sintomas, o índice de transmissão desse animal. Voltamos à história, o tratamento se justifica por que diminui a carga parasitária, diminui o risco de transmissão e se você alia às técnicas sabidamente conhecidas e eficazes, como o uso de coleira e repelentes, o índice de picadas diminui até 95%. Então, voltamos de novo à mesma história, tratar o animal, usar repelente no animal e desinsetização do ambiente.
9) O senhor além de médico veterinário é também advogado. O que acha que os tutores dos animais infectados devem fazer para resguardar a vida do animal e tratá-lo?
Os tutores deveriam TRATÁ-LOS. A princípio está tendo uma super interpretação da lei. A lei não proíbe tratamento. Primeiro que há um decreto de 1963 que naquela época foi feito por que no Brasil não tinha medicamento específico para tratamento da leishmaniose, não se fazia tratamento de cães, depois apareceram então os medicamentos que são usados na Europa há mais de 50 anos.
Outra questão, a lei de 1963, a interpretação que se deve dar a ela, é que foi feita para casos de leishmaniose rural, em ambientes rurais, não se aplica o mesmo método de controle em ambientes urbanos, tanto não se aplica que o que se tem feito é usado os mesmos métodos sem resultado nenhum, isso causa prejuízo para o proprietário, não elimina o problema e a saúde pública fica desmoralizada com tudo isso.
10) O que o senhor recomenda como prevenção?
Primeira coisa, todo cuidado em comprar animais e adquirir animais. Quando adquirir um animal, quando resgatar um animal de rua, fazer os exames principalmente nas áreas endêmicas.
Fazer uso constante de repelentes ou da coleira. Eu prefiro os repelentes líquidos à coleira, por causa de efetividades de aplicação. Fazer desinsetização do ambiente.
As vacinas contra leishmania existentes no mercado são um dos principais instumentos de prevenção. Trabalhos cientificos tem corroborado a sua eficacia. Entretanto, o seu uso em toda a população teria eficacia ainda superior à que tem sido apresentado, por causa do chamado “efeito rebanho”, que é imprescindivel na eficacia vacinal contra qualquer doença. Ao ter-se uma cobertura vacinal acima de 89% o efeito protetor da vacina é potencializado pois aumenta-se a probabilidade de eliminar-se o microrganismo do ambiente.
O que deveria ser feito e não é feito, é o controle entomológico, o CCZ fazer levantamento das áreas onde tem a presença do mosquito periódico e fazer o combate ao mosquito, que é como se combate qualquer doença vetorial.
11) Retornando ao tema tratamento para que fique bem esclarecido ao leitor. Na Europa e em outros países, os cães são tratados. Por que é proibido no Brasil?
Tratamento não é proibido no Brasil, o problema é que quer se dar interpretação da proibição. Primeiro proibição de tratamento tem que ser mediante lei. O que existe é uma portaria restringindo o uso de medicamentos. No caso, por exemplo, da tuberculose, existe uma lei de 1942, que proíbe o tratamento de animais com tuberculose, mas em 1942 não existia ainda comercialmente a penicilina, então não tinha mesmo como tratar.
Precisamos fazer uma interpretação mais moderna dessas leis antigas. Essas leis não foram recepcionadas pela constituição, então não existe proibição ainda.
12) Dr. André, chegamos ao fim desta entrevista. Qual a sua mensagem sobre leishmaniose?
Esse problema sério da questão da leishmaniose, ela não tem só haver com incompetência técnina do pessoal do Ministério da Saúde, que está sendo absolutamente incompetente em tratar isso. Falta também aquele espírito cidadão que o brasileiro não tem de colaboração, falta o envolvimento maior das entidades responsáveis como acontece com os conselhos de medicina veterinária, sociedade de medicina veterinária que são omissos nessa parte, eles não tomam uma posição e colocam a medicina veterinária como uma profissão secundária no campo da saúde e falta na verdade também envolvimento inclusive do tutor em lutar pelo próprio direito que é de ter o animal dele vivo, sadio e tratado, que é absolutamente possível.
O que não pode acontecer, é vivermos duas realidades tão diferentes, um país como o Brasil, teoricamente evoluído e eticamente atrasado onde se mata cachorro, e o resto do mundo todo onde se pode tratar o animal.
Para fazer parte desta corrente de protetores e ajudar direta ou indiretamente os animais do Mato Grosso do Sul, basta escrever Aumigos do Prof. André no facebook e fazer a solicitação.
Será um prazer receber novos integrantes.
Fonte: Anda http://www.anda.jor.br/
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