ONU diz que o número de pessoas no mundo em 2100 deve se aproximar de 11 bilhões, mas crítico considera projeção difícil de justificar

O respeitado naturalista e apresentador de televisão britânico, David Attenborough, disse recentemente à BBC que o crescimento da população mundial estava "fora de controle", mas um especialista acredita que o número de pessoas no planeta deve atingir o pico em 40 anos. Em quem devemos acreditar?
"A população mundial está crescendo fora de controle," disse Attenborough ao programa Today da BBC. "Desde que eu comecei a apresentar programas, há 60 anos, a população humana triplicou". Duas afirmações surpreendentes. Vamos analisar a segunda afirmação primeiro, que diz que a população do mundo triplicou em 60 anos.
Em 1950, na época em que Attenborough começou sua carreira como apresentador, haviam 2,53 bilhões de pessoas no mundo. Sessenta e três anos depois, a última estimativa é que a população mundial é de 7,16 bilhões. Esse número é quase o triplo, mais precisamente 2.8 vezes, mas não está longe do que sugere Attenborough.
11 bilhões em 2100
A afirmação de que o crescimento está "fora do controle" é mais difícil de ser medida, mas poderia provavelmente ser interpretada como uma ideia de que a população continuará crescendo na mesma velocidade, e basicamente triplicará em 60 anos. Se isso acontecer, a população do mundo pode chegar a quase 40 bilhões até o final desse século. 
Mas a última projeção da ONU prevê uma população de menos de 11 bilhões, um pouco mais de um quarto desse número. Esse número ainda é 50% a mais do que temos hoje, mas mostra que a ONU espera um crescimento muito mais lento da população nas próximas décadas do que em décadas passadas.
Alguns podem considerar que um aumento na população mundial de 7 bilhões para 11 bilhões em 2100 ainda represente um crescimento populacional fora do controle. Mas este número da ONU – divulgado no documento World Population Prospect (Perspectivas da População Mundial), publicado a cada dois anos - é considerado por, pelo menos, um especialista como muito alto.
"Quando vi esses números eu percebi que eles, quase que certamente, estavam errados", disse Sanjeev Sanyal, estrategista global do Deutsche Bank, sobre a última atualização do documento da ONU divulgado em junho deste ano.
"Difíceis de justificar"
As projeções de crescimento da população alimentam muitas outras previsões e modelos - projeções de consumo de energia, por exemplo, ou os lucros de empresas – então pessoas como Sanyal examinam estes dados das Nações Unidas cuidadosamente. E ele considera as projeções da ONU "difíceis de justificar" por diferentes razões.
"Se você olhar para as taxas de fertilidade - o número de bebês que uma mulher tem ao longo de sua vida - em grandes partes do mundo, essas taxas de fertilidade estão agora abaixo do que é necessário para substituir a população", diz ele.
"Grande parte da Europa, Japão, grandes países como a China, inclusive o Brasil, não produzem (os necessárias) 2,2 ou 2,3 bebês (por mulher). Alguns deles estão muito abaixo desse nível e, como resultado, é quase certo que estes grandes países vão ver suas populações rapidamente em declínio em algumas décadas a partir de agora."
A taxa de substituição é maior do que dois, porque algumas mulheres vão morrer antes de chegar ao fim de seus anos férteis.
Além disso, nos países em desenvolvimento a ONU prevê populações em rápida expansão. Na Nigéria, por exemplo, espera-se que o número atual de cerca de 160 milhões aumente para quase um bilhão até o final do século.
Sanyal é cético. "Certamente os nigerianos vão reconhecer, em algum momento, que as coisas estão ficando lotadas e vão parar de ter tantos filhos", argumenta.
Divergências
Ele prevê que a população da Nigéria em 2100 será de 400 milhões a menos do que a ONU sugere. Suas previsões são mais baixas para os dois maiores países do mundo também. Ele prevê que a população da China será de 60 milhões a menos do que as previsões da ONU para 2100, e de 100 milhões na Índia.
"Mesmo os Estados Unidos são muito suspeitos", diz Sanyal. Para esse país a ONU prevê um aumento de 312 milhões de pessoas hoje para 462 milhões em 2100.
"Isso seria extraordinário para um país que já tem taxas de natalidade abaixo da taxa de reposição. É necessário um fluxo de imigração para os Estados Unidos muito grande para se chegar perto deste número."
É provável que muita gente vá imigrar para os Estados Unidos. Sanyal aceita que a população do país vai crescer. Mas para aumentar a este ritmo, ele insiste que outros países teriam de estar mostrando quedas na população - quedas que não aparecem nos dados da ONU.
No geral, Sanyal prevê um quadro muito diferente do da ONU, com a população mundial chegando a 8,7 bilhões por volta de 2050, e caindo para cerca de 8 bilhões até o final do século. Esse número é cerca de um bilhão a mais do que temos agora, mas bem menos que os 11 bilhões previstos pela ONU.
Taxas de fertilidade
Ambos Sanyal e a ONU partiram dos mesmos dados - censos nacionais de 2010. A diferença surge porque eles fazem suposições diferentes sobre fertilidade, mortalidade e migração. "Eu levei em conta duas ou três coisas que eu acho que não são adequadamente refletidas no relatório da ONU", explica Sanyal.
"Eu provavelmente dei mais importância à fatores como o preconceito de gênero em países como China e Índia. O fato de que eles são países com muito menos mulheres em idade fértil do que a sua população em geral poderia sugerir."
As previsões da ONU também assumem, de acordo com Sanyal, que todas as taxas de fertilidade irão convergir para a taxa de substituição - uma "suposição estranha" em sua opinião. "Nós não vimos nenhum país onde as taxas de fertilidade caíram dramaticamente e voltaram a subir à uma média que corresponde a de substituição", diz ele.
E a ONU tem subestimado o impacto da urbanização sobre a redução das taxas de fertilidade, argumenta. Até agora, como ele diz, a urbanização tem sido "um poderoso anticoncepcional" em todos os países.
Variante médio
Por sua vez, os especialistas da ONU dizem que Sanyal deve ter assumido declínios muito acentuados nas taxas de fertilidade, que eles não consideram, e que alterações muito pequenas na taxa de fertilidade global podem ter um enorme impacto em décadas por vir. As previsões da ONU destacam isso.
A estimativa de 10,9 bilhões em 2100 é o que é conhecido como o "variante médio", que representa o que a ONU considera o caminho do meio. Mas, se você assumir uma taxa de fertilidade de metade de uma criança abaixo disso, a população do mundo cairia para 6,8 bilhões até o final do século. Adicione metade de uma criança no modelo da ONU e esse número atinge 16,6 bilhões.
Além disso, pequenas mudanças nas taxas de fertilidade têm um efeito mais marcante ao longo do tempo. As previsões de Sanyal e da ONU diferem em 800 milhões em 2050. No entanto, isso aumenta para 2,8 bilhões até 2100. Há espaço de sobra para discordância. Mas vamos torcer para que as divergências não sejam "fora de controle".
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