“Eu acho que não deveríamos ter parado de gritar quando a corrida começou”, diz Guilherme, de camiseta preta, sentado no chão da Praça de Toiros do Campo Pequeno, em Lisboa, Portugal. “As paredes da praça de toiros são de betão e ainda existe a música da tourada. Mesmo numa praça desmontável, não ouviriam”, responde com rouquidão a presidente da Associação Animal, Rita Silva. Não satisfeito, Guilherme pede ainda à presidente para comprar microfones mais potentes para conseguir fazer mais barulho.
“Preferimos canalizar as verbas que não são muitas e resultam maioritariamente da venda de comisetas para outras ações. Como sabem desenvolvemos outro trabalho paralelo a nível do lobbying político ou jurídico. Temos ali mais camisetas se quiserem comprar”, responde Rita Silva. Foi com este briefing que terminou mais uma manifestação anti-tourada no Campo Pequeno na passada quinta-feira, 30 de Junho. Durante uma hora, perto de meia centena de manifestantes gritaram ininterruptamente contra o fim das touradas em Portugal.
É assim desde que o Campo Pequeno reabriu em 2006. Sempre que há corrida, elementos da Associação Animal juntam-se para mais um protesto. E nem mesmo as mais de 100 mil assinaturas que a petição em Defesa da Festa Brava já recolheu em Portugal amedronta os manifestantes. “Não me deslumbro com números, prefiro uma boa assinatura a um milhão de assinaturas”, nota a presidente da Animal. O autor da petição, Francisco Moita Flores, actual presidente da Câmara Municipal de Santarém, ajudou a disparar o número de assinaturas por ser uma figura pública, defendem os manifestantes, desvalorizando por completo os números. Preferem ser poucos, mas bons, advogam.
O relógio marca 20h quando começam a chegar os primeiros manifestantes. O preto é a cor que domina e grande parte veste camisetas da associação. Todos se cumprimentam e tratam pelo nome. Vêem-se alguns jovens, mas a maioria tem entre 30 e 40 anos. No local contam pelo menos sete agentes da PSP que colocam grades metálicas para isolar o grupo num retângulo. “Por lei não nos podemos aproximar mais da entrada da Praça de Toiros do Campo Pequeno e acabamos por acordar que ficaríamos com este espaço. Estas grades são importantes para salvaguardar a nossa segurança”, explica Rita Silva. Todos vão conversando animadamente e preparando os cartazes que vão usar.
Às 21h colocam-se de pé e começam a gritar aos microfones as frases: “acabem com as touradas” e “tourada em Portugal é vergonha nacional”. O microfone vai trocando entre alguns membros que dão o grito de guerra, sendo acompanhados pelo coro de manifestantes. O barulho ininterrupto chega a sobrepor-se à música que sai dos microfones da Praça de Toiros do Campo Pequeno e não existe um minuto de pausa para os manifestantes que durante uma hora gritam a plenos pulmões. Os espectadores que se preparam para entrar na praça fazem fila e enquanto esperam olham com curiosidade o grupo. De vez em quando, alguém se aproxima e faz gestos obscenos, sendo rapidamente apupado.
“É malta que não tem nada que fazer. Se reparar são meia dúzia a gritar e ninguém os ouve”, observa João Gonçalves, que assiste de longe. Rita Silva já sabe de cor a resposta. “As pessoas que não têm que fazer são as que vêm assistir à tortura de animais em vez de empregarem o tempo em algo de útil”. Os insultos que recebem são a prova de que são ouvidos. “Porque não vêm manifestar-se para o Ribatejo?”, perguntamos.
“É uma região tauromáquica e não conseguimos convencer ninguém. Queremos mudar as pessoas que não são aficionadas e temos aqui muitos turistas. A Praça de Toiros do Campo Pequeno também é o símbolo da tauromaquia nacional”. Teresa Gomes e Joana Baptista, ambas de 26 anos, saíram do trabalho e encontraram o grupo casualmente. Destacam-se por estarem sentadas, mas vão repetindo os gritos de guerra. “Não sei se somos ouvidos ou não, mas entre gritar e não fazer nada, opto por gritar”, avança Teresa Gomes. Esta é, na opinião de ambas, uma excelente maneira de chamar a atenção para a tortura dos animais e sensibilizar os que passam.
Não é muito comum acontecerem situações de agressão extrema. Insultos ou aficionados a cuspir é o mais comum. Em Torres Vedras um cavaleiro tauromáquico avançou sobre o grupo.
Mal chega as 22h colocam-se de costas voltadas para a entrada da Praça de Toiros e fazem um minuto de silêncio. Depois da pequena reunião, começam a guardar os cartazes, trocam alguns beijos e abraços, e partem com a certeza de se encontrarem nas próximas acções da Animal.
Um vilafranquense anti-touradas
Joaquim Henriques, 44 anos, agricultor, vem de Vila Franca de Xira. Está todo vestido de preto e traz uma mochila onde colocou um cartaz a dizer “Tourada Não”. A cultura taurina de Vila Franca nunca o entusiasmou. Mesmo assim, jamais deixava de ir a um concerto de rock que estivesse inserido numa festa dedicada à tauromaquia.
Há 10 anos mudou de vida. Deixou o tabaco e as bebidas alcoólicas e tornou-se vegan. “Venho porque sinto que a sociedade está a adiar uma mudança óbvia”, confessa. Tem vontade de manifestar-se em Vila Franca mas a cultura taurina está tão enraizada que de pouco valerá. Não entra na Biblioteca Municipal de Vila Franca de Xira porque lá existem revistas especializadas de tauromaquia e entristece-se ao ver que o dinheiro dos contribuintes foi usado pelo poder político local para criar estátuas em honra da Festa Brava.
Muitos vilafranquenses já conhecem as convicções de Joaquim Henriques. “Hoje quando ia para a estação de comboios de Vila Franca disseram-me que era uma pena eu não cair e partir-me todo”, relata. Nada que intimide o jovem. De fortes convicções, não se importa de andar durante uma hora para chegar à freguesia onde reside quando regressar de comboio a Vila Franca, depois de mais uma manifestação.
Fonte: O Mirante
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