Vergonha Nacional


"Enquanto na fronteira do Brasil com o Paraguai, na Terra Indígena Nhanderu Marangatu, município de Antônio João, no Mato Grosso do Sul, algumas centenas de professores e lideranças Guarani Kaiowá estavam reunidos para avaliar a caminhada da educação e das lutas desse povo por seus direitos, especialmente suas terras, em Brasília uma delegação desse povo pisava firme nos diversos espaços dos poderes, exigindo ações concretas e imediatas", informa Egon Heck, CIMI-MS, ao enviar o artigo que publicamos a seguir.

Segundo ele, "está em curso uma intensa e densa campanha pelas terras e vida Kaiowá Guarani, contra as violências, despejos e mortes que estão acontecendo. Essa vizibilização do drama por que passam os indígenas no Mato Grosso do Sul terá que chegar até o último país do Planeta, conforme disse a deputada Janete Capiberibe. Para o dia 9 de novembro, sexta feira, estão previstas manifestadões públicas em dezenas de capitais e cidades brasileiras. Será um momento de ampliarmos a solidariedade e apoio a esses povos ubmetidos a um processo de extrema violência, de etnocídio e genocídio. Talvez milhares de documentos, cartas, emails, estarão chegando às portas dos poderes em Brasília nesta semana, exigindo providências imediatas, especialmente agilidade na demarcação das terras. É sem dúvida uma uma das maiores campanhas pelos direitos de um povo, na história deste país. Dá mostras da grande potencialidade das redes sociais na mobilização da opinião pública. Unamo-nos nesta luta".

 Eis o artigo.

"Concedo o efeito suspensivo ao agravo de instrumento, para determinar a mantença dos silvícolas da comunidade de Pyelito Kuê exclusivamente no espaço de 1 (um) hectare, ou seja, 10 mil metros quadrados, até o término dos trabalhos que compreendem a delimitação e demarcação das terras na região..."(Decisão da 3ª Região da Justiça Federal, São Paulo 30 de outubro de 2012)

Portanto fica decretado a  manutenção de uma família da Fazenda Cambará em 761 hectares, enquanto duas comunidades indígenas, com mais de 200 pessoas, são confinadas em 1 (um) hectare.

Um minuto de silêncio. Senadores, deputados, lideranças Kaiowá Guarani, repórteres, representantes de órgãos do governo e do Ministério Público, aliados da causa, em pé, homenageiam a memória dos professores Genivaldo e Rolindo, que há exatos três anos foram cruelmente assassinados quando retornaram  à sua terra, tekoha Ypo'i, município de Paranhos, no Mato Grosso do Sul. Até hoje o corpo de Rolindo não foi localizado e nenhum dos assassinos punidos. Aplausos. Os lutadores  indígenas tem sua memória reverenciada, apesar de sua luta pela terra continuar emperrada, na malvadeza e burocracias do poder.

Na parede fria de um dos auditórios do Senado, onde se realizava uma audiência pública sobre a questão Kaiowá Guarani, estavam projetadas as imagens do corpo do professor Genivaldo Vera, boiando nas águas do rio Ypo'i, o "sorriso matado", do cacique Nisio Gomes, a líder Damiana junto a seus barracos queimados, à beira da estrada, lembrando seu marido e três filhos mortos por atropelamento, ... outro membro da comunidade de Apika'y espancado por ocasião da expulsão de sua terra...Um quadro tétrico, retrato da "barbárie civilizada"! ou genocídio do século XXI como muitos tem visto a violência contra os Guarani Kaiowa.

Como podemos ficar felizes?

No décimo andar de um belo edifício em Brasília, um anúncio eufórico de uma "vitória". Os índios de Pyelito Kuê não serão despejados. A liminar acaba de ser caçada na 3ª Vara da Justiça Federal , em São Paulo. O ministro da Justiça José Eduardo Martins Cardoso leu pausadamente a decisão. "por tudo quanto foi exposto, a melhor solução é circunscrever a permanência dos índios num espaço de 1 (um) hectare, ou seja, 10 mil metros quadrados, até o término do procedimento administrativo de delimitação e demarcação  das terras na região" e a sábia e douta decisão continua "os índios devem ficar exatamente onde estão agrupados, com a ressalva de que não podem estender o espaço a eles reservado em nenhuma hipótese".  O cantador popular concluiria "é a parte que lhes cabe neste latifúndio!!!". Dia 30 outubro de 2012. Século XXI. A justiça decide reeditar os "confinamentos" ou "campos de concentração", conforme manifestação de lideranças indígenas, parlamentares e representantes dos movimentos sociais. A deputada Érica Kokai afirmou que "Confinamento é genocídio" e que é esse o processo em curso no Mato Grosso do Sul. A deputada Janete Capibaribe afirmou que a realidade dos Kaiowá Guarani envergonha a sociedade e nação brasileira. Nesse mesmo tom o Deputado Pe.Tom, presidente da Frente Parlamentar Indígena, afirma que o que acontece com os Kaiowá Guarani se assemelha ao que se passou com os judeus no tempo do nazismo.

As lideranças Guarani, dentre os quais o cacique Lide Lopes de Pyelito Kuê,  Otoniel Ricarte, Eliseu Lopes, dentre outros, manifestaram em diversas oportunidades, nesta semana, sua contrariedade com a decisão judicial. "Ficamos meio felizes, porque a comunidade não vai ser expulsa, mas ficamos por inteiro envergonhados, porque nos fecharam dentro de um hectare". Lindomar Terena disse considerar um absurdo deixar os índios dentre de um "chiqueirinho".

Até o linguajar "mantença e silvícolas", nos remete a séculos passados. Não serão necessários grandes esforços para imaginar o drama de sobrevivência dessa comunidade, até que o governo conclua o trabalho de identificação e demarcação das terras na região. Quantos anos de tortura e sofrimento estarão contidos nessa decisão? Quantos meses, anos ou décadas ainda se arrastarão os infindáveis processos de regularização das terras indígenas na região?

Semana Kaiowá Guarani em Brasília

Lideranças expressivas do povo Kaiowá Guarani e Terena do Mato Grosso do Sul, tiveram uma intensa agenda de debates, visitas a autoridades dos três poderes, conversas com Ministros e parlamentares, manifestações públicas e contatos  com a imprensa nacional e internacional.

No Ministério Público Federal, ouviram das Procuradoras Débora Duprat e Raquel Dodge a promessa de atitudes enérgicas de cobrança, inclusive judicial, das responsabilidades do governo federal com relação ao não cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta-TAC, no qual todos os relatórios de identificação das terras Kaiowá Guarani deveriam ter sido publicados até 30 de junho de 2009.

Do ministro da Justiça ouviram os encaminhamentos do governo, para evitar a expulsão da comunidade de Pyelito Kue, aumento da força nacional e polícia federal na região e de que dentro de 30 dias estaria sendo publicado o relatório circunstanciado dessa terra indígena, pela Funai. Disse ainda que "a presidente Dilma quer que se cumpra a Constituição".

O Conselheiro do CDDPH, Eugenio Aragão, que coordena o grupo especial Kaiowá Guarani criada no âmbito desse  órgão, lamentou que o governo só age e se movimenta quando acontecem catástrofes, quando se está à beira do abismo. Cobrou energicamente uma revisão dos métodos de atuação com relação à demarcação e garanti das terras indígenas e ação urgente para pagar a dívida histórica para com esse povo.  Salientou a importância da participação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que criou uma comissão especial com propósito de agilizar a  demarcação das terras Kaiowá Guarani.

O Procurador Marco Antonio Delfino, do Ministério Público de Dourados, acompanhou a intensa maratona de atividades, dentre as quais a conversa com vários ministros do Supremo Tribunal Federal. Insistiu na inadiável ação do governo no sentido de começar a encontrar caminhos para resolver a gravíssima situação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul. Externou os dados que revelam essa situação insustentável, dentre os quais o fato de que os últimos dez anos os Kaiowá Guarani conseguiram efetivamente apenas dois mil hectares, e de que as terras ocupadas por esse povo representam apenas 0,1% do território do Estado.

O secretário do Cimi, Cleber Buzatto, em vários momentos chamou atenção para a morosidade e omissão do governo, enquanto nos três poderes avançam iniciativas que visam tirar direitos constitucionais dos povos indígenas e agravar ainda mais a situação de violência. Falou da importância das iniciativas de ampla divulgação, especialmente nas redes sociais, da realidade indígena, para que desse processo de comoção nacional emergem ações e pressão pelo respeito aos direitos dos povos indígenas e a imediata regularização das terras indígenas.

Tiveram reuniões de definição de ações estratégicas na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil-APIB, na Funai e outros órgãos e entidades. Levam em suas bagagens de retorno às aldeias a certeza de que a luta por seus direitos avançou, mas que devem se intensificar as alianças e solidariedade em nível mundial e as lutas de retorno às suas terras tradicionais, como afirmou Eliseu Lopes: "Estamos cansados de bonitos discursos e promessas. Vamos continuar nossas ações de retomar nossas terras".

fonte: Instituto Humanitas Unisinos

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