O desperdício de comida equivale a um terço da produção total


[O Estado de S.Paulo] Em todo o mundo joga-se fora ou perde-se, por ano, 1,3 bilhão de toneladas de alimentos, o equivalente a um terço da produção total e a mais da metade da colheita de cereais. Num cenário em que a população do planeta deve saltar dos atuais 7 bilhões para 9 bilhões de habitantes até 2050, impõe-se a revisão urgente dos padrões de consumo e de produção alimentar. Assim, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) decidiram lançar uma campanha de conscientização para tentar reduzir o desperdício que se verifica, em maior ou menor grau, em todos os países.

Segundo a FAO, a perda total em nações ricas e em desenvolvimento é mais ou menos a mesma, variando de 630 milhões a 670 milhões de toneladas. Só o que é desperdiçado pelos consumidores dos países industrializados equivale à produção alimentar da África Subsaariana, algo em torno de 230 milhões de toneladas por ano.

A FAO faz uma distinção entre perda e desperdício de alimentos. A perda está ligada à fase da colheita e da produção, e se verifica muito mais em países em desenvolvimento, que enfrentam defasagem tecnológica e falta de investimento em infraestrutura, em transporte e em especialização de mão de obra. No Brasil, que está entre os dez países que mais perdem alimentos, 35% da produção agrícola fica pelo caminho. Já o desperdício é aquele observado tanto na comercialização quanto no consumo, quando o alimento ainda comestível é jogado no lixo. Trata-se, nesse caso, de um fenômeno mais comum nos países desenvolvidos. Dados da FAO mostram que os consumidores europeus e americanos se desfazem de algo entre 95 e 115 quilos per capita de comida por ano, enquanto no Sudeste Asiático, na África Subsaariana e na África Meridional esse volume não passa de 11 kg per capita.

A campanha da FAO e do Pnuma salienta que se dá importância excessiva à aparência dos alimentos, o que se traduz nas rigorosas normas aplicadas pelas grandes redes de supermercados, resultando no descarte de comida ainda própria para o consumo. Além disso, esse alimento descartado poderia ser entregue a organizações humanitárias ou entidades de caridade, e não simplesmente jogado no lixo.

No que diz respeito a questões de comportamento, a FAO mostra que o consumidor, nos países ricos e nos emergentes, muitas vezes compra mais alimentos do que realmente necessita, apenas para aproveitar promoções, ou então come mais do que precisa em restaurantes que oferecem comida à vontade a preço fixo. Além disso, o consumidor em geral não costuma fazer um cardápio semanal para conseguir planejar a compra dos alimentos, de modo que muitos produtos comprados por impulso acabam esquecidos na geladeira, perdem a validade e são jogados fora. No Brasil, as famílias desperdiçam, em média, 20% do que compram em uma semana.

A campanha aposta na reeducação, ao convidar o consumidor a planejar suas compras no supermercado, a não rejeitar frutas cuja aparência não seja perfeita, a entender que a data de validade dos alimentos industrializados é apenas uma sugestão do fabricante, a reaproveitar os alimentos e a pedir porções menores nos restaurantes, entre outras medidas. Além disso, a FAO pede que restaurantes e supermercados façam auditorias para verificar onde está o desperdício, que ofereçam descontos para produtos cujo prazo de validade esteja próximo de vencer, que reduzam a variedade do cardápio e que ofereçam porções menores.

É fato que não se mudam comportamentos arraigados somente pelo desejo bem-intencionado de algumas organizações internacionais. No entanto, há um argumento que pode ajudar a deslanchar esse processo: o prejuízo com o desperdício não se limita à questão alimentar. Ao se jogar comida fora, estão sendo perdidos também recursos naturais, força de trabalho e muito dinheiro investido para produzir esses alimentos. A FAO calcula que nada menos que US$ 1 trilhão por ano simplesmente vai para o lixo.

Análise originalmente publicada em O Estado de S.Paulo

EcoDebate, 05/02/2013

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