Cão-guia ajudou cego a escapar do World Trade Center


Michael Hingson, 61, chegou cedo ao seu escritório, no baixo Manhattan, naquela terça-feira. O dia estava ensolarado em Nova York. Do elevador ao escritório no 78º andar da torre norte do World Trade Center, sua companheira Roselle distribuía simpatia.





A relação entre eles era recente, ainda não haviam completado dois anos juntos. Desde o primeiro passeio, Michael achou que formavam um par perfeito.



Roselle, uma labrador, tinha sido treinada para trabalhar como cão-guia. Sempre teve personalidade forte. Era bagunceira, espalhava meias pela casa, roncava à noite e latia alto ao som da campainha. Apesar de gostar de brincar, o serviço era levado a sério. E o seu trabalho mais reconhecido aconteceu naquela manhã do dia 11 de setembro de 2001.

Eram 7h40 quando eles chegaram ao escritório da Quantum, uma empresa de softwares onde Michael trabalhava desde 1997. Havia um ano que estavam no WTC. Como gerente regional de vendas, ele tinha muitos compromissos agendados para aquela semana. Às 9h, começaria um treinamento para revendedores.


Às 8h46, Michael estava a três metros da janela por onde seus colegas podiam ver o porto de Nova York e a Estátua da Liberdade. Ouviu uma explosão metálica e sentiu o piso tremer. Havia fumaça e cheiro de gás no ar. Um avião sequestrado por terroristas havia se chocado com o prédio na altura dos andares 93 a 99.
Michael e o colega David Frank decidiram sair da torre. Os elevadores não funcionavam, não havia eletricidade. Então Roselle começou a aventura de guiar seu tutor na descida de 78 andares pelas escadas.

"Trabalhamos em equipe. A tarefa dela era garantir que andássemos com segurança procurando obstáculos. Minha tarefa era direcioná-la com comandos específicos, como para frente, para a direita ou para a esquerda", conta Michael em entrevista à Folha.
Durante a descida, ele foi o único que reconheceu o cheiro de combustível do avião. "As pessoas que enxergam se baseiam apenas na visão e não aprendem outras técnicas que poderiam ajudá-las".
A jornada durou cerca de uma hora. Michael e Roselle estavam a apenas duas quadras da torre sul quando ela, atingida por um segundo avião, desabou às 9h59. "Foi a parte mais perigosa. Não é mais difícil para um cego descer 1.463 degraus, mas correr 400 metros com uma torre desmoronando atrás de você é assustador, não importa se você é cego ou se pode ver."

FAMA
Depois da experiência, Michael e Roselle viraram uma dupla popular. A história deles foi recontada em entrevistas na TV e palestras, onde ele fala sobre confiança, trabalho em equipe, cães-guia e cegueira. "A principal desvantagem dos cegos não é a falta de visão, mas o desconhecimento das pessoas que enxergam sobre o que um cego pode ou não pode fazer", afirma.
Em janeiro de 2002, Michael trocou a carreira de 27 anos na área de tecnologia para ser diretor de relações públicas de uma escola de treinamento para cães-guia em San Rafael, Califórnia.

No mês passado, a história de Michael e Roselle virou o livro "Thunder Dog" (Cão Trovão, em português), sem previsão de lançamento no Brasil. A obra também está disponível em audio-book.
Em 2007, Roselle se aposentou. Passou os últimos anos se divertindo com as colegas África e Fantasia, que também viviam sob os cuidados de Michael.
Em 2010, Roselle teve dores crônicas nas costas e foi tratada com acupuntura. Em 24 de julho deste ano, aos 13, ela estava com a saúde frágil quando teve complicações de uma úlcera. Dois dias depois, como não apresentava melhora, sua família e o veterinário interromperam o sofrimento. Roselle foi sacrificada às 20h52 de um domingo.

Fonte:Folha

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